É impossível amar “o próximo”, pois não se ama o que não se conhece. E por que não se conhece “o próximo”? Pois não sabemos onde ele está. E por que não sabemos onde ele está? Pois existe na língua portuguesa uma seriíssima confusão lógico-semântico-geográfica: “o próximo” é “o próximo” ou “o próximo” é “o que vem” depois do “próximo”? Ou, posto de outra forma (a mesma): “o que vem” é “o que vem” ou “o próximo” depois do “que vem”? A taxa de juros, a posição do governo sobre a Venezuela, o debate dos candidatos a prefeito, tudo isso é menor diante desta barafunda linguística.
Vivemos num país polarizado e a questão do “próximo” não foge à regra. Aposto que, se fizessem um Datafolha, metade das pessoas diria que a “próxima” segunda é dia 19 de agosto e outra metade diria que é dia 26. Já perdi pontos de ônibus por causa desta celeuma. Já perdi festas. Talvez tenha perdido oportunidades de emprego, amores, prêmios da Loto e outros borogodós. Qual será o próximo? (Não digo “qual será o que vem?”, pois, se perdi, evidente que não vem).
Sou um democrata, mas só diante da democracia. Definir se a Terra é redonda ou plana não passa por um plebiscito. A metade dos falantes do português que está certa, a metade terraglobista à qual me filio, entende que próximo é o oposto de distante. De modo que se eu te digo “vou fazer um churrasco no próximo fim de semana” é no primeiro fim de semana que vier, partindo de hoje. (E se alguém conseguir partir de outro dia senão de hoje, faça a gentileza de me trazer de presente aquele skate voador de “De Volta para o Futuro” —sempre paguei um pau). Da mesma forma, “o que vem” é o que está mais próximo, ou seja, o primeiro —seja um fim de semana, um ponto de ônibus, um skate voador.
Há, porém, entre nós, os semeadores da discórdia, os que usam tanto “o próximo” quanto “o que vem” como o segundo. Sei bem de onde nasce o erro. Quando a gente fala “não neste fim de semana, no próximo” ou “não neste ponto de ônibus, no que vem”, estamos mencionando o segundo. Mas prestem atenção, ó incultos agricultores da balbúrdia, na primeira metade da oração: “não neste”.
“Não neste”! “No próximo”! Usar “o próximo” como o segundo sem que haja antes um claríssimo “não neste” não é um erro de português, é um erro de matemática. Um tiro na lógica. Uma marretada nas vigas que sustentam a razão. Fico inconformado. Não por todos os pontos de ônibus que já perdi, ao perguntar na muvuca se as pessoas iam descer no próximo. E no próximo ninguém se mover. E diante do meu desespero, ouvir que se eu queria descer “naquele ponto” que então se afastava, deveria ter perguntado se iam descer “nesse” ponto e não “no próximo”. Fico revoltado não pelas festas, oportunidades de emprego, amores, prêmios da Loto e outros borogodós a que tampouco tive acesso.
Meu desespero é porque, se demolimos de tal forma as vigas da razão, decretando que por “próximo” entendemos o distante, por “que vem” o que não vem, tudo desmorona. A Terra pode ser plana, coach picareta pode ser um candidato viável a prefeito, eleição fraudada passa por democrática, um dia fará 6°C e três dias depois fará 31°C. Pelo amor de Deus. Se este mundo ficar assim, desisto e começo imediatamente a rezar para que haja um próximo.
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