No início do mês, Lula criticou duramente a comunicação do governo. Disse com todas as letras que “há um erro no governo na questão da comunicação” e se declarou obrigado a “fazer as correções necessárias”. Esperem mudanças, portanto.
Que a comunicação governamental nunca tenha funcionado perfeitamente não é um diagnóstico difícil. A questão, contudo, é se a sua falha está nas causas que Lula aponta. Acho que não. Lula entende a comunicação governamental essencialmente como “divulgação das ações do governo”. Faz, então, um cálculo simples: se sua administração está indo bem, mas uma parcela significativa dos brasileiros continua desconfiada ou insatisfeita, a informação não está chegando.
O que há de errado nisso?
Primeiro, ele confunde comunicação com divulgação. Além disso, ignora duas grandes transformações: o advento do digital e suas consequências para a comunicação e a política.
Não há fórmula mais ingênua para entender comunicação governamental no século 21 do que reduzi-la à função de divulgar ações do governo. Estamos na era dos estrategistas de comunicação governamental, e Lula parece não aspirar a mais do que um bom publicitário para fazer campanhas ou um relações públicas para gerenciar interações com a imprensa e a imagem da administração.
Não é à toa que, ao anunciar sua insatisfação com a comunicação, a primeira ideia que ocorre a muitos petistas é convocar marqueteiros e especialistas em comunicação eleitoral para a Secom. Como se não houvesse diferença entre gerenciar uma campanha e estruturar toda a estratégia de comunicação de um governo.
Além disso, entre o segundo e o terceiro governo de Lula, o mundo das comunicações mudou tanto que parece outro. O jornalismo e a televisão foram desafiados repetidamente pelos novos meios e modos de comunicação digital política —e perderam todas essas disputas. Hoje, as pessoas abandonam o jornalismo como fonte principal de informação e de orientação política, enquanto a credibilidade de governos, parlamentos, especialistas e intelectuais evapora a passos rápidos.
Quando governos lidavam com poucos jornais influentes, alguns especialistas e grandes partidos, a comunicação podia ser mais simples. Hoje, em um ambiente onde influenciadores digitais têm mais alcance que jornais e onde podcasters, youtubers e tiktokers monetizam ideologias, a comunicação governamental está longe de ser a simples divulgação dos feitos do governo.
Na política, a fragmentação das fontes de informação, o tribalismo epistêmico —em que se acredita apenas nos líderes do grupo— e a desconfiança na objetividade e neutralidade tornaram quase impossíveis o debate público e a formação de uma agenda.
Há uma guerrilha informacional em curso que não pode ser enfrentada com propaganda ou discursos improvisados. Pautar o debate público, mitigar campanhas de desinformação, apagar crises de comunicação, vender a agenda governamental para céticos e adversários e sustentar narrativas favoráveis à administração são tarefas complexas.
Nesse cenário, como um governo se comunica? Ele enfrenta concorrentes em um espaço político em constante tensão, disputando a atenção pública, o controle da própria imagem, a definição dos problemas sociais mais urgentes e as interpretações dos fatos políticos. Tudo enquanto precisa governar e fazer política.
No Brasil, o desafio é ainda maior. Além de grupos divididos em facções irreconciliáveis, temos um presidente com minoria parlamentar e um mandato conferido por eleitores que, em grande parte, rejeitaram Bolsonaro mais do que escolheram Lula ou o PT.
Nesse contexto, reduzir a comunicação governamental à divulgação dos feitos do governo, ou esperar que Lula, por ser um bom orador diante de plateias simpáticas, seja também um estrategista de comunicação no mundo digital, soa como pilhéria.
Só Lula não se dá conta como seus discursos improvisados, assim como os de Janja, acolhidos com aplausos pelo público presente, caem como uma bomba em outros ambientes sociais e criam problemas para a comunicação do governo. Dias são consumidos tentando explicar que “não era bem isso o que se queria dizer”, que “a reação ruim do público ‘X’ ou ‘Y’ foi desproporcional” ou que “é preciso mais amor e interpretação de texto”.
Só ele não percebe que, em uma sociedade dividida, em que seu governo ainda está em estágio probatório e em que a desconfiança e o ceticismo prevalecem na maior parte do público, a mera divulgação dos feitos da administração nunca será suficiente para mudar o humor do povo.
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