No clube de Cesárea, que vale milhões, ela cria onças por puro capricho. Quando Jongo descobre isso, pede a Candinho, que, não por acaso, é neta da toda poderosa Cesárea, que mostre os animais para ele. Só que eles descobrem que três das onças fugiram da jaula e estão à solta.
É neste ponto em que o tom de comédia do filme começa a mudar para o drama, pendendo para a comédia do absurdo, o surrealismo e até o thriller. Quem viu “Durval Discos” (que levou sete Kikitos em Gramado 2002) vai identificar pontos de contato entre os dois filmes e entender que, para tratar de temas tão incômodos quando cotidianos, a tragicomédia pode ser o melhor recurso.
Para Anna, há duas leituras possíveis de “O Clube das Mulheres de Negócio”: “Uma é a da inversão. Só de ver os corpos invertidos já causa um constrangimento. A outra é: ‘Se as mulheres estivessem no poder, e o poder é dinheiro porque o dinheiro é machista, será que elas agiriam da mesma forma? Será que elas seriam tão abusivas?”
Há quem leia pelo viés da comédia do absurdo, há quem prefira o tom de quase terror. Há quem tenha ficado insatisfeito com o desfecho, que traz as três onças em uma vingança genial diante da soberba do homem que quer dominar até a natureza. Mas o fato é que Anna faz com “O Clube das Mulheres de Negócio” seu projeto mais amplo, mais arriscado e mais difícil.
Os desafios das filmagens, que incluem efeitos especiais, animais como arara, cobra, sapos, urubu, um cachorrinho decisivo para o desenrolar da história, cavalo e até capivaras, ficam nítidos na tela. Mas valem cada momento. Anna quebra não o teto de cristal, mas o telhado de vidro de uma sociedade brasileira forjada sobre os alicerces do machismo, do racismo e da escravidão, do classismo, da hipocrisia acima de tudo.
A cineasta descortina o eterno teatro do “está tudo bem” na superfície (o palco principal da reunião do clube) enquanto tudo pega fogo e a onça literalmente bebe água na cozinha, no porão e no subsolo deste jogo social. Os ecos de obras como “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, “Macunaíma”, de Mário de Andrade, “Pindorama”, de Arnaldo Jabor, entre outros, podem ser ouvidos em alto e bom som.