Para quem contava que o Senado seria sensível ao pedido do governo Lula de acelerar o projeto de regulamentação da reforma tributária, a posição do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, de jogar o cronograma de votação para depois das eleições municipais foi um banho de água fria.
A fala de Pacheco desta semana não deixa dúvidas de que o roteiro de negociação será diferente do que ocorreu na votação da emenda constitucional.
No ano passado, a PEC (proposta de emenda à Constituição) da reforma teve uma segunda e última votação no dia 16 de novembro, mas naquele momento havia interesse de todos de que o texto fosse aprovado como uma sinalização importante para a economia.
Agora, senadores falam que não haverá prejuízo para a reforma se a votação da regulamentação “escorregar” para o mês de março do ano que vem.
Em entrevista à Folha em tom bastante duro, o relator da reforma no Senado, Eduardo Braga, afirma que o projeto que chegou da Câmara tem inconsistências e não será votado na “calada da noite”.
O relator apontou várias dessas inconsistências, principalmente a trava de 26,5% para a alíquota dos dois impostos. Ele tem razão. O teto é uma saída capenga para escamotear a realidade de que a carga tributária deve ficar muito alta para o consumidor com tantas exceções aprovadas.
O surpreendente politicamente é que Braga partiu para um confronto raro de ver no Congresso. Criticou abertamente o comportamento da poderosa bancada do agronegócio.
Sem melindres, o senador amazonense disse na entrevista que o setor é muito poderoso, muito competente, mas não presta um serviço ao povo brasileiro ou aos interesses econômicos do agro.
“O que você chama de agro eu chamo de lobby. Foi o lobby do agro. Não é o agro bonzinho, o agro da televisão, que faz aquela propaganda bonita”, afirmou o relator numa corajosa entrevista. Braga disse que fala o que pensa com liberdade.
Em se tratando da reforma tributária, a bancada do agronegócio conseguiu na Câmara tudo o que queria e muito mais na votação da PEC, em 2023, e também do projeto de regulamentação em julho passado.
Quem participou das discussões com a FPA (Frente Parlamentar do Agronegócio) numa sala ao lado do plenário da Câmara, no dia da votação do projeto, testemunhou discussões muito pesadas e com agressões verbais.
O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, depois teve de aceitar a inclusão das carnes na cesta básica nacional com imposto zero para não ser derrotado no plenário.
O agro já era um setor altamente beneficiado com baixa tributação e conseguiu segurar sua posição na reforma a ponto de os críticos falarem com ironia, obviamente entre quatro paredes, de que daqui a pouco o governo vai pagar para o setor produzir.
Mas o recado de Pacheco e Braga sobre o tempo da negociação política da reforma no Senado é para Lira, que impôs uma votação acelerada do projeto.
Em março, Lira não estará mais sentado na cadeira de presidente. Se quiser que o projeto chegue a tempo para uma nova e última votação na Câmara antes do fim do ano, terá de negociar bem as mudanças com os senadores.
Ainda restam ressentimentos dos senadores de que mudanças acertadas na Casa não foram cumpridas na votação final da PEC. Boa parte delas caiu.
Mesmo assim, o presidente do Senado promulgou a emenda, fato que ajudou a equipe econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a terminar o ano com saldo positivo.
Pacheco e o presidente da CCJ , Davi Alcolumbre, não concordam com a urgência do projeto aprovada pela Câmara e querem que ela seja retirada pelo governo.
Do contrário, tranca a pauta de votação. Quem pode perder mais é o próprio governo, que patrocinou essa aceleração da votação.
A bola do jogo passou para o Senado, que dá sinais de que pode mudar muita coisa no projeto. O primeiro passo será acabar com a urgência.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.