Há alguns assuntos que dão vontade de fingir que não existem. O discurso de ódio é um deles.
Será que não podemos simplesmente ignorar os comentários nas redes sociais que promovem discriminação, hostilidade ou violência? Pelo bem de nossa saúde mental, muitas vezes deletamos comentários ou bloqueamos usuários que incitam o ódio com base em raça, etnia, religião, gênero, orientação sexual, nacionalidade, deficiência ou outras características pessoais.
O discurso de ódio não ocorre só em ambientes digitais, mas foi bastante disseminado por meio das redes sociais, tratadas como terra de ninguém. Embora manifestações explícitas de violência sejam mais fáceis de identificar, o discurso de ódio também se manifesta em estereótipos, piadas depreciativas e humilhações. Dez minutos de passeio pelo X bastam para encontrar exemplos claros.
Ignorar essas postagens não resolve o problema, apenas cria uma sensação superficial de paz. Na prática, o discurso de ódio, associado à propagação de fake news e teorias da conspiração, tem consequências graves e duradouras. Ele contribuiu para fenômenos como a ascensão da extrema direita, a negação científica durante a pandemia e o reforço de preconceitos, prejudicando ainda mais a inclusão social de grupos vulneráveis.
Crianças e adolescentes não estão imunes a isso —pelo contrário, são frequentemente protagonistas e alvos desses discursos. A exposição contínua ao ódio nas redes sociais aumenta o risco de que os jovens internalizem discursos discriminatórios e se tornem adultos intolerantes e violentos.
Além dos impactos psicológicos, uma consequência tangível e trágica do discurso de ódio é o crescimento de ataques violentos a escolas, muitas vezes cometidos por alunos ou ex-alunos. Em muitos casos, os atos são praticados por jovens influenciados por conteúdos extremistas na internet, onde a desumanização de certos grupos e a normalização da violência como resposta a problemas são frequentes.
Combater o discurso de ódio é essencial, e a educação tem um papel central nesse esforço. A função social da escola vai além da instrução acadêmica e da preparação para avaliações. A escola, em conjunto com famílias e comunidades, precisa formar cidadãos críticos e éticos, capazes de contribuir para a construção de uma sociedade justa e democrática.
Em 2023, a Unesco publicou relatório sistematizando abordagens educacionais para combater o discurso de ódio. As propostas são intersetoriais e envolvem um esforço coordenado. As estratégias incluem elaborar políticas com diretrizes claras para lidar com o discurso de ódio nas escolas e educação midiática no currículo, além de formação de professores. É essencial ensinar a distinguir fatos de fake news e ter uma postura crítica diante de conteúdos digitais e discursos nocivos.
Apesar de alguns avanços recentes e de boas práticas espalhadas pelo Brasil, ainda carecemos de uma política nacional coordenada que oriente as escolas no enfrentamento ao discurso de ódio e à violência.
Não podemos mais ignorar esse assunto. A educação é uma ferramenta poderosa para transformar realidades e construir uma sociedade mais justa, inclusiva e pacífica. A hora de agir é agora.
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