Enquanto escrevo esta coluna, mais de 150 milhões de brasileiros votam para escolher os prefeitos e vereadores de suas cidades. A eleição para vereador é interessante do ponto de vista matemático.
Pela lei brasileira, trata-se de uma eleição proporcional. Isso quer dizer que, em tese, o número de vereadores eleitos por cada partido é proporcional à respectiva votação total, ou seja, à soma do número de votos nos seus candidatos (para simplificar, vou desconsiderar o voto na legenda, que não é relevante para a discussão).
O problema é que a regra da proporcionalidade não pode ser aplicada literalmente. Para explicar por que, consideremos o seguinte exemplo, adaptado de trabalho do meu amigo Ali Tahzibi, professor da USP.
Na cidade (fictícia) de Alguidares de Baixo, a Câmara Municipal tem três cadeiras (nas cidades brasileiras o número de vereadores varia entre 9 e 55, dependendo da população). Apresentam-se ao pleito sete candidatos de três partidos, os quais obtêm as seguintes votações: partido A: Ali (25 votos), Ana (12) e Ada (8); partido B: Bia (20) e Bel (13); partido C: Céu (15) e Cid (7).
A votação total do partido A (45 votos) é 45% do total de votos válidos (100): logo, pela regra de proporcionalidade, esse partido preencheria 45% das três cadeiras disponíveis, ou seja, teria 1,35 vereador eleito. Mas isso não faz sentido, claro. Então a questão é: como converter as votações dos partidos em números de eleitos, de forma aproximadamente proporcional, mas evitando números fracionários?
O procedimento mais usado para isso é o método D’Hondt, proposto em 1878 pelo advogado belga Victor D’Hondt (1841–1901). Ele escreveu muito sobre o tema e teve papel importante na introdução das eleições proporcionais em seu país. Mas o mesmo método já fora proposto em 1792 por Thomas Jefferson (1743–1826), que era então o secretário de Estado e depois se tornou o terceiro presidente dos Estados Unidos.
Para aplicar o método D’Hondt, começamos por considerar os quocientes das votações totais dos partidos pelos números inteiros entre 1 e 3 (o número de cadeiras a preencher). No nosso exemplo, esses quocientes são A1=45, A2=45/2, A3=45/3, B1=33, B2=33/2, B3=33/3, C1=22, C2=22/2, C3=22/3.
Em seguida, buscamos os três maiores números nessa lista, eles são: A1=45, B1=33 e A2=45/2. Como dois deles são relativos ao partido A, os dois candidatos mais votados desse partido (Ali e Ana) ficam eleitos; como o outro é relativo ao partido B, a candidata mais votada desse partido (Bia) também se elege.
Observe que o partido A acaba elegendo 2/3=66,66% dos vereadores, embora só tenha recebido 45% dos votos. De fato, o método D’Hondt costuma favorecer os partidos mais votados, reduzindo a fragmentação política, o que tem a vantagem de facilitar a formação de maiorias estáveis no colegiado eleito.
Pela mesma razão, esse método encoraja a formação de coligações. Deixo aos leitores o desafio de verificar que se os partidos B e C estivessem concorrendo coligados, juntando os respectivos votos, eles elegeriam dois vereadores (Bia e Céu), enquanto o partido A ficaria só com um (Ali).
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