Como argumentei na coluna anterior, o sistema político brasileiro mostra-se incapaz de resolver o desequilíbrio fiscal. A consequência é o crescimento da dívida pública hoje e ao longo dos próximos anos.
O que não pode crescer para sempre um dia para. No caso da dívida, a persistir o quadro de não reforma, o ajuste será feito pela inflação. Ela corroerá o valor real da dívida e das despesas públicas, ao mesmo tempo que aumentará o valor nominal do PIB, estabilizando a relação dívida/PIB.
Antecipando esse desfecho, quem investe em títulos públicos passa a pedir juros mais altos, para compensar o risco de perda real à frente. Juros mais altos fazem a dívida crescer mais rápido.
Quem não topa o risco manda a poupança para fora, o que desvaloriza o real. A desvalorização alimenta a inflação.
O aumento da inflação requer que o Banco Central aumente os juros, que freia a inflação, mas dá novo impulso na dívida, permanecendo dúvida quanto à inflação no futuro.
Há uma retroalimentação entre aumento da dívida, desvalorização cambial e juros.
No início do atual mandato presidencial, a dívida bruta estava em 71,4% do PIB. Hoje, está em 78,6%, caminhando para 86% em 2026. O dólar, que teve cotação média de R$ 5,20 em janeiro de 2003, está em R$ 6,03. A expectativa de inflação para 2024 começou o ano em 3,90% e já está em 4,84%. Para 2025, pulou de 3,5% para 4,6%. Título prefixado do Tesouro com vencimento em 2027, que no começo do ano pagava 9,95%, hoje paga 14,63%.
A política fiscal está sem lastro. Esse ciclo vicioso só será interrompido quando a sociedade perceber que as contas públicas foram equilibradas e que a dívida parou de crescer.
No segundo semestre de 2002, o Brasil viveu uma situação similar. A iminente eleição de Lula para seu primeiro mandato, em uma campanha em que se prometia não pagar a dívida pública, derrubou a demanda pelos papéis. No segundo semestre daquele ano, o Tesouro só conseguiu rolar 30% da dívida vincenda, a juros altos, ante 75% no início do ano.
Ao longo de 2002, o real se desvalorizou mais de 50%, e a dívida bruta passou de 67% para 76% do PIB. A inflação fechou em 12,5%.
Porém, ao contrário do que está ocorrendo hoje, foi possível uma coordenação política para superar a crise. Em uma transição de governo cooperativa, a equipe de Palocci foi convencida da gravidade e do diagnóstico do problema.
Lula publicou a Carta ao Povo Brasileiro, explicitando que não faria desatinos fiscais. A equipe de FHC obteve um empréstimo no FMI, para suprir as então escassas reservas internacionais, afiançando que o novo governo pagaria o empréstimo.
A nova equipe elevou a meta de superávit primário de 2003 de 3,75% para 4,25% do PIB, cumprindo-a com folga (4,32%). Aprovou-se uma reforma da previdência em 2003. Foi dada liberdade de ação ao Banco Central.
O compromisso fiscal crível permitiu que a política monetária fosse menos apertada, desacelerando o crescimento da dívida.
Ao final de 2003, com a crise de confiança superada e as contas ajustadas, o país pôde tirar proveito do boom de commodities que se iniciava. Começou ali um período de crescimento robusto.
Essa saída só foi possível porque adversários políticos cooperaram e trabalharam na direção certa.
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