O novo filme da cineasta francesa Coralie Fargeat, “A Substância”, é um tapa na cara, mas não desses que te fazem voltar a si depois de um desmaio, e sim daqueles que te deixam tonta, sem entender ao certo o que está acontecendo.
A trama narra a história de Elisabeth Sparkle, uma atriz em fim de carreira que, ao completar 50 anos, se vê prestes a perder o emprego de apresentadora de um programa de ginástica à la Jane Fonda para uma substituta mais jovem. Desesperada, Elisabeth, interpretada brilhantemente por Demi Moore, recorre a uma droga clandestina que promete criar uma nova e melhorada versão dela mesma.
O filme, aclamado no último festival de cinema de Cannes, foi descrito por alguns dos críticos como um novo clássico feminista. Essa parece mesmo ter sido a intenção de Coralie, que assina a direção e o roteiro. “O filme é uma mistura de muitas coisas que quero dizer, de uma raiva que sinto, de tudo o que vivi enquanto mulher”, disse recentemente em uma entrevista.
Essa overdose de sentimentos fica evidente em cada escolha da diretora. Ora cômico, ora absurdo, mas sempre desconfortável, o filme parece alternar o passo no propósito calculado de desnortear quem assiste. Em momentos a trama acelera, pulando freneticamente semanas inteiras. Em outros se demora, o que parece acontecer justamente naqueles trechos mais desconcertantes, em que gostaríamos de apertar o botão de avançar.
“A Substância” tem méritos enormes, entre eles a abordagem inovadora e contundente de temas cruciais a serem debatidos. Estão ali a pressão estética, a ode à juventude, a objetificação do corpo feminino e a crescente invisibilidade da mulher à medida que envelhece. Mas dentre tantos assuntos importantes, um aspecto do filme me pareceu ir contra todas as nobres intenções de sua criadora.
Ao contrário do que esperava quando entrei na sala de cinema, o que mais me incomodou naquelas duas horas e meia sentada em frente à tela não foram as cenas grotescas de corpos deformados, nem os momentos caricatos de sangue jorrando, muito menos a nudez crua de dois corpos femininos, mas sim a solidão absoluta na qual a personagem de Demi se encontra. E foi nela que o filme me perdeu.
Coralie conscientemente escolheu uma heroína sem filhos ou parceiros, uma mulher que dedicou a vida à sua carreira e colheu os frutos desse esforço em prêmios, dinheiro, roupas elegantes e um apartamento suntuoso. Mas ao construir para Elisabeth uma vida caricatamente solitária e vazia, o roteiro parece punir essa mulher por sua independência. Como se o envelhecimento e a deterioração de sua aparência fossem mais cruéis para ela pela ausência de uma família que possa oferecer um sentido maior à sua vida, reforçando inadvertidamente, o estereótipo da velha solteirona triste e sozinha.
Longe de mim querer tirar os méritos desse filme. “A Substância” é um remédio duro de engolir, porém importante de tomar. Mas a tormenta que ele evidencia está longe de ser exclusiva das mulheres que optam por um caminho diferente daquele que a sociedade estabelece como o correto. Envelhecer, infelizmente, ainda é um pecado mortal para todas nós, casadas ou solteiras, mães ou não.
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