Acabar com o papel de primeira-dama é missão feminista

Michelle Bolsonaro, a despeito de todos os disparates ditos e executados durante o mandato do marido, não chegou a receber metade da ira dirigida à Dona Marisa. Passou bastante bem pelo ciclo, até porque, em muitos termos, preenchia o papel de bela, recatada e do lar que agrada à direita e também à esquerda. Mulheres, aquietem-se.

Janja, a atual primeira-dama, foge de tudo o que conhecíamos até aqui. Socióloga, jovem, falastrona, ousada. Janja não segue protocolos e esse texto não pretende determinar se ela acerta ou erra ao fazer o que faz. Limito-me a dizer que, como todos nós, ela erra e acerta. O que Janja disse para Elon Musk (“Fuck you”) em evento de escala mundial seria digno de aplausos se viesse como prenuncio de uma grande ofensiva do atual governo contra o obsceno poder das Big Techs e contra o futuro governo fascista de Trump. Mas não é isso, obviamente. Foi apenas mais um impulso fanfarrão dito no calor do momento e totalmente desassociado de políticas de emancipação.

O que quero elaborar aqui é o aspecto machista dessa função que não é função mas virou função extraprotocolar que é ser a primeira-dama. Um desvio grotesco adotado – adivinhem onde – pelo sistema estadunidense no século 19 para encaixar a mulher do presidente no contexto político de alguma forma.

Uma feminista de verdade se recusaria ao papel. Simplesmente diria: não me sujeito a isso. Vou cuidar da minha vida. Vou usar meus conhecimentos para outras coisas. Não vou ficar aqui na barra da calça do cara virando página de discurso e indo pegar uma garrafa d’água para ele continuar falando. Fala, meu homem.

Aceitar o papel de primeira-dama é aceitar estar abertamente exposta a todo tipo de machismo. O machismo que vem de dentro – dos conselheiros do marido que não suportam a ideia de ter ao lado deles uma mulher que pensa e fala o que pensa – e o machismo que vem de fora – dos outros poderes e da imprensa. Janja não tem como vencer essa batalha. Como diz a amiga Alicia Klein, colega de coluna aqui nesse canal, o máximo que conseguirá é alcançar o binômio pequenas vitórias-grandes derrotas.

A feminista alinhada aos mais fundamentais valores do feminismo recusaria formalmente o papel de primeira-dama. Acabou. Não existe. Me nego.

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