Avião: Se você não tem filho, tenha empatia – 07/12/2024 – Papo de Responsa

Antes de ter filho, eu também criticava quem levava crianças ao restaurante. Olhava feio e fazia careta quando elas passavam correndo entre as mesas. Antes de ter filho, eu também reagia quando sentia a poltrona do avião vibrar —não pela turbulência, mas pelo pé insistente de uma criança que ainda falava o vôo todo e despejava bolacha pelo ar.

E antes de ter filho eu também achava que certos ambientes não eram para elas. Há pouco mais de 1 ano e meio, nasceu o Matteo. E a ficha caiu. Ou melhor, desabou.

Não concordo com a mãe que gravou o espetáculo no avião. Em seus 5 minutos de fama, ela conseguiu gente apontando o dedo em vez de aplausos. “O filho é mimado. Pais birrentos criam filhos birrentos.”

Ora, cabe, antes de mais nada, entender que a birra faz parte do desenvolvimento humano, os pais (e vocês) queiram ou não. Dá um Google.

Criar um ser humano pequeno é depender de outras pessoas. De que alguém troque as fraldas quando você estiver exausta ou fique com ele tempo suficiente para você tomar um banho em paz ou dar uma garfada sem ter que pedir para o “anjo” tirar a mão da faca. De alguém que entenda quando você chega atrasada no escritório porque alguém queria vestir suas roupas enquanto você se trocava. Isso tudo sem falar do primeiro ano de vida de um ser humano.

É se desdobrar porque aquela pessoinha ainda não sabe o que é empatia ou o que são regras sociais. Por mais que a gente eduque e eduque e eduque. Leva tempo.

Você vai levá-lo à igreja e ele vai subir no banco e gritar. Você vai colocá-lo na cadeirinha do carro e ele vai berrar tanto até você desejar ir pelo acostamento. Você vai escutar o choro pela quarta vez na madrugada e torcer para o vizinho não ligar para o conselho tutelar.

Eu sou mãe de pet, madrinha do Gui e tia do César, mas só entendi esse papo quando me tornei mãe. É tipo chorar pelo Corinthians quando o jogo acaba mal —só entende “quem é”.

No condomínio onde moro, a polêmica do ano foi a votação para escolher se uma área destinada a carros de visitantes poderia ceder lugar a bicicletas e patins uma vez por semana. Ainda bem que mães e pais se juntaram para votar em massa contra aqueles que desejavam vagas vazias no lugar de pequenos aprendendo a andar de bike em um lugar seguro.

E ainda hoje tem quem fique mandando fotos no grupo do prédio. “Vejam, não tem ninguém brincando”, diz o inspetor debruçado na janela sob sol de 38ºC.

Não peça que mães e pais evitem lugares públicos porque têm filhos. É quase o mesmo papo de quem acha um crime amamentar fora de casa. “Atrapalha”. Não peçam para mães educarem seus filhos quando sabemos que, na economia do cuidado (que vocês tanto defendem), essa é apenas mais uma das tarefas imputadas a nós.

Tendo sido uma criança que nos anos 1990 brincava nas ruas do bairro do Tatuapé, com supervisão de vizinhos que se revezavam, sei que hoje as cidades são hostis a crianças. São cada vez menos seguras e democráticas para elas. Sei também que nós, mulheres, trabalhamos cada vez mais e que a maternidade parece uma via impossível diante de uma ascensão na carreira ou de um celular repleto de notificações.

E daí parquinhos vivem vazios porque entregamos as crianças às telas —onde ficam quietinhas por horas, vejam só que maravilha. Salas de aula são cada vez mais silenciosas porque jovens sofrem calados e mergulhados nas redes sociais —pelo menos isso deve começar a acabar no ano que vem.

Tenham empatia por quem ainda não tem. Com isso, não quero dizer que não podemos errar. Sim, erramos. Sim, às vezes sentimos medo e insegurança. Sim, às vezes somos vencidos pelas birras e chiliques.

Também não quero dizer que somos uma categoria especial de pessoas ou que vocês devem sorrir para cada pirralho que passar esgoelando. Ou que devem oferecer ajuda para trocar uma fralda ou limpar um nariz cheio de meleca. Pode deixar que a gente faz isso, ok?

Apenas tenham empatia. Vocês podem ser os próximos.

Nem todo mundo pode contar com avós ou seja lá quem for a rede de apoio. E sair para comer quando a geladeira está vazia ou o companheiro faz aniversário parece digno depois de uma semana daquelas.

Sejam, vez ou outra, a aldeia de que tanto precisamos para cuidar de nossas —no plural, mesmo— crianças.


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