Bolívia: Crise e racha político demandam preocupação – 19/10/2024 – Sylvia Colombo

O Brasil corre o risco de ver nos próximos meses uma enorme crise em um de seus vizinhos mais estratégicos. As recentes agitações na Bolívia são suficientes para despertar preocupação em relação à estabilidade política e econômica do país andino.

O clima de tensão, que ganhou as manchetes internacionais em junho com a ainda misteriosa tentativa de golpe militar, porém, já vem crescendo pelo menos desde o começo do ano passado. Na ocasião, um acentuado declínio da indústria dos hidrocarbonetos e um aumento do déficit fiscal começaram a demarcar o fim de uma era.

Sem ser capaz de reagir a essa situação e preparar o país para tempos mais difíceis, o atual governo vem debilitando-se ao mesmo tempo em que assiste ao fim do longo período de certa estabilidade social e de prosperidade que permitiu a inclusão da população de origem indígena e uma redução drástica dos números relacionados à pobreza.

Em El Alto, na região metropolitana de La Paz, habitada tradicionalmente por trabalhadores e por um setor mais humilde da sociedade, o legado desse período podia ser visto nos coloridos “cholets”, edifícios de arquitetura moderna inspirados nas formas e cores da arte tradicional andina. Hoje, o que mais chama a atenção em suas ruas, porém, são protestos e piquetes.

O declínio vem acompanhado da diminuição de subsídios ao combustível e longas filas para comprar alimentos e fazer operações bancárias, principalmente com falta de dólar em papel-moeda no mercado. Uma espécie de “corralito” (congelamento das contas) informal foi adotado pelos próprios bancos, limitando as operações nessa moeda.

Diversas categorias, como professores e sindicatos ligados ao transporte, fizeram greves nos últimos meses.

As fricções entre o atual presidente, Luis Arce, e seu ex-padrinho político, Evo Morales, estão ficando cada vez mais graves. Cabe lembrar que Arce foi o ministro da Economia de boa parte desse período dourado. Hoje, porém, ambos protagonizam uma cisão no partido MAS (Movimento ao Socialismo) que faz com que existam duas linhas opostas no Congresso, o que afeta diretamente a economia.

Arce afirma que é a “oposição evista” do partido a culpada por impedir, por exemplo, a aprovação no Parlamento ao recebimento de investimentos e empréstimos vindos do exterior e que poderiam revigorar setores distintos da economia, incluindo a ainda incipiente exploração do lítio, recurso que o país tem em abundância.

Já Evo vê em Arce uma ameaça a seu projeto de reeleição para um quarto mandato, algo que a atual Constituição proíbe e que a Justiça já se pronunciou contra.

Nas últimas semanas, manifestantes pró-Evo vêm fazendo bloqueios de estradas em várias partes do país. O ex-mandatário se diz vítima de perseguição política por parte de Arce e de “lawfare” (termo que designa o uso das leis para a disputa política), modo como se refere a acusações de estupro e de tráfico de pessoas pelos quais vem sendo investigado pela Justiça.

Ainda que o próximo pleito esteja previsto apenas para agosto de 2025, há rumores de que Arce poderia mesmo não chegar a terminar o mandato.

O MAS se dividiu de tal forma que até o momento não ficou claro como e se haverá uma eleição primária para a disputa. Criado em 1997 por um grupo de sindicalistas da região cocaleira, liderados por Evo, hoje eles compõem a maior força política do país. A divisão interna, assim como a fragmentação da oposição, anunciam tempos de maior instabilidade.


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