Brics sem maquiagem – 25/10/2024 – Demétrio Magnoli

Na superfície, o Brics é um bloco antiocidental, como Xi Jinping, e Putin mais ainda, pretendem apresentá-lo. De fato, são coisas diferentes para atores diversos. O Brasil, porém, tornou-se um estranho no ninho: o grupo já não serve aos interesses nacionais.

Lula vetou, por razões exclusivas de política doméstica (e por enquanto), o ingresso de Venezuela e Nicarágua. Porém, desde a entrada do Irã, na expansão de 2023, o Brics+ iniciou um giro anti-Ocidente. A cúpula de Kazan emitiu convites a 13 novos parceiros, inclusive Belarus, um protetorado informal russo, Cuba e Bolívia, que apoiam a invasão imperial da Ucrânia, além de Vietnã, Cazaquistão e Uzbequistão, situados nas esferas concorrentes de influência chinesa e russa.

Inexiste, contudo, algum tipo de consenso mínimo na Arca de Noé do Brics+. No comunicado final da cúpula, Putin nem tentou contrabandear uma sentença de apoio à sua guerra ucraniana. Em busca de prestígio, o Brasil obteve uma menção à reforma do Conselho de Segurança da ONU, balão de ar que se choca com o veto chinês ao ingresso da Índia. Os comunicados do grupo são exercícios na arte de circundar a substância.

A rivalidade estratégica sino-indiana atravessa o Brics desde o berço. As duas expansões adicionaram as tensões regionais entre Irã/Arábia Saudita, Turquia/Irã e Egito/Etiópia. A Índia mantém um tratado nuclear com os EUA. A Turquia, agora Estado-parceiro, faz parte da Otan. Pirandello escreveu “Seis Personagens em Busca de um Autor”; no Brics inflacionado, são 22 personagens à procura de um texto.

“Sul Global”, atualização do Terceiro Mundo, é uma miragem. Há 60 anos, o Movimento dos Não Alinhados (NAM), suposta representação do Terceiro Mundo, também estava permeado por rivalidades, a principal entre China e Índia, mas assentava-se sobre um consenso forte: o anticolonialismo. O Brics+ não dispõe de um inimigo tão evidente quanto as antigas potências coloniais – exceto, talvez, o controle dos EUA sobre as finanças globais.

Rússia e China nutrem o projeto do Brics Bridge, um sistema multilateral de pagamentos capaz de circundar o dólar. Seria, em tese, um propósito comum, estimulado por razões de peso: os custos financeiros associados à primazia da moeda dos EUA e o interesse de escapar às sanções comerciais cada vez mais abrangentes impostas por Washington. Falar é fácil, executar são outros quinhentos. Quem dará crédito a uma cesta de moedas não-conversíveis? Qual governante inscreveria a economia da Índia na órbita do Banco Central chinês?

Dezenas de países formam fila para entrar no Brics+. Para quase todos, o ingresso não acarreta custos ou compromissos. São, em geral, autocracias à procura de um raio de sol: um clube no qual ninguém fala em direitos políticos, liberdades públicas ou igualdade perante a lei. No passado recente, o Brics oferecia ao Brasil a oportunidade de diálogo privilegiado com potências relevantes na cena mundial. A expansão, que prosseguirá, diluiu a influência brasileira –e, com as periféricas exceções de Cuba e Bolívia, excluiu a América Latina do mapa.

Maduro correu a Kazan, infiltrando-se por uma janela lateral na reunião do grupo. O regime venezuelano tem o que ganhar no Brics+. O Brasil, não mais.


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