Chega mais um final de ano com o são-paulino, como de hábito, orgulhoso pelos três Mundiais do clube e por nunca ter sido rebaixado, mas preocupado com a pouca perspectiva do Tricolor diante de rivais mais endinheirados e mais bem administrados.
A concorrência é cada vez mais forte e preparada, inclusive na base, mas isso não pode ser desculpa para terceirizar a joia da instituição. A possível parceria com o magnata grego Evangelos Marinakis é um tremendo tiro no pé e no coração do clube que, tempos atrás, era o que fazia aqui no Brasil as melhores vendas de atletas para o exterior.
O São Paulo não precisou do Nottingham Forest para fazer uma fortuna com Denílson nos anos 90, não necessitou do Olympiacos para negociar Kaká diretamente com o Milan em fase áurea nem contou com a ajuda do Rio Ave para lucrar mais de R$ 100 milhões com as idas de Antony e Casemiro para o Manchester United.
Aliás, se não fosse essa dupla tacada dos Red Devils em cima de dois jogadores Made in Cotia, o time do Morumbi não teria apresentado em 2022 um superávit de R$ 37,4 milhões. Depois disso, foi só déficit. Primeiro, de R$ 62,2 milhões em 2023. Agora, a conta deve bater R$ 200 milhões de prejuízo em 2024 (entre janeiro e setembro, o rombo foi de R$ 191 milhões).
Tudo isso com a torcida lotando o Morumbi sistematicamente e ajudando o clube nos momentos bons e ruins (as glórias têm vindo mais do passado mesmo, com uma ou outra exceção). Julio Casares, o atual presidente são-paulino é habilidoso com as palavras, entende bem de comunicação, e tenta vender a ideia de que o São Paulo precisa vender parte de sua base para competir na formação de atletas.
“O que estamos visualizando é um acordo operacional com ‘revenue share’, onde o investidor coloca dinheiro e participa, sendo importante ressaltar que os clubes que formam precisam ter uma participação maior”, disse ele, como se estivesse colocando o São Paulo na vanguarda do futebol brasileiro, coisa que era comum no passado.
Quem forma precisa ter, preferencialmente, participação total na venda de um Beraldo ou de um Matheus Belém da vida. Já não bastam os poderosos empresários brasileiros dominando os endividados clubes desde a base? Há necessidade de atrair estrangeiros ricos para colocar suas espertas mãos no nosso petróleo, no nosso ouro, na nossa floresta, na nossa carne?
A dívida do São Paulo bateu em R$ 900 milhões, o que é mais ou menos o dobro do faturamento anual do Tricolor dos tempos atuais. Casares vem do grupo de Juvenal Juvêncio, que deixou o clube com dívida que era “apenas” a metade do faturamento e ainda com R$ 50 milhões em caixa, informação que obtive de uma fonte boa do Morumbi.
O que Carlos Miguel Aidar, Leco (Carlos Augusto de Barros e Silva) e Julio Casares gastaram em uma década (com quase nada de retorno esportivo) é de uma irresponsabilidade atroz.
Poucas conquistas (na atual gestão que multiplica a dívida e que bate cabeça até com o próprio fundo de investimentos que criou para tentar pagar seus débitos) e muita sorte de não ter caído para a segunda divisão pela primeira vez na sua gloriosa história. Não será por falta de esforço de seus dirigentes que o São Paulo experimentará a curto e médio prazo a Série B.
Aliás, se a torcida não estivesse conduzindo, o time já teria sido condenado a um rebaixamento.
O técnico Luis Zubeldía, que tem se comportado muito como torcedor do São Paulo, disse que acreditava no título do São Paulo na Libertadores em 2024 (de fato não ficou longe disso) e sente que a conquista mais desejada pelos são-paulinos virá em 2025. Mesmo que a moeda caia em pé de novo e isso aconteça, nada apagará a administração péssima do clube que um dia já foi referência no país em quase tudo.
Hoje é uma luta mensal para tentar não atrasar direitos de imagem dos atletas e para pagar em dia Daniel Alves, James Rodríguez etc. Isso tendo uma estrutura invejável, um nome conhecido internacionalmente e uma torcida que ainda aparece em algumas pesquisas como a terceira maior do país.
Um conselho antiquado não parece muito disposto a abraçar uma SAF agora, pois isso significaria perda de poder, mas há quem acredite que os caras que estão afundando o São Paulo serão os mesmos que lucrarão no futuro com prováveis associações com compradores, sejam esses gregos, troianos, árabes, russos, estadunidenses, tailandeses, marcianos.
Um grupo pequeno de pessoas, muitas “amadoras”, brincando no controle de uma paixão de mais de 20 milhões de pessoas.
O São Paulo não é a única coisa errada no futebol brasileiro neste momento, diga-se de passagem. Mesmo atolado em dívidas, o Tricolor tem cerca de R$ 15 milhões para receber do novo milionário Botafogo, campeão da América e do Brasil. Pendências que ficaram por Tchê Tchê (agora do Vasco), Lucas Perri e até pelo Henrique Almeida lá atrás.
Para quem encontra dificuldade para fazer qualquer contratação, um valor como esse faz alguma diferença. Ou pelo menos alguns dos muitos boletos do time poderiam ser quitados. Tudo indica que o São Paulo será mais fraco em 2025 do que foi nesta temporada, pois precisa vender alguns jogadores para reduzir a folha de pagamento.
Arboleda, Luciano, Rodrigo Nestor e Wellington Rato são alguns dos atletas que podem sair. E talvez venha um lateral-esquerdo que preste (com atraso de um ano), quem sabe Wendell (sairia nesse negócio o Moreira, jovem lateral-direito com passaporte luso). Uma esperança é o sub-20, que conquistou há algumas semanas a Copa do Brasil de forma sensacional virando para cima do Palmeiras (3 a 2) e que pode fazer barulho na Copinha em janeiro.
Talvez seja a última turma de Cotia que não caia no colo do “Vangelis” Marinakis. Zubeldía falou no “Bola da Vez” da ESPN da diferença da base entre Palmeiras e São Paulo. Enquanto o alviverde contrata jogadores já bem formados para a base, o Tricolor faz um trabalho mais nobre ao formar por muitos anos os garotos.
Se lapidar os meninos com calma é uma honra para Zubeldía, Casares entende que precisa de dinheiro de fora para brigar por um novo Estêvão. Só que eu lembro que o Endrick passou pela base do Tricolor e mostrou todo seu potencial.
Algum “jênio” não quis investir no garoto ou simplesmente dar um trabalho para seu pai, coisa que o rival foi competente em oferecer. Há uma onda de SAFs chegando ao futebol brasileiro na esteira do sucesso que o Botafogo teve em 2024.
Acho que um clube da magnitude do São Paulo não deveria precisar ser uma SAF (o Real Madrid, o maior time do planeta, vive bem sendo um quadro associativo), mas, diante das péssimas administrações da instituição, creio que muitos torcedores preferem que o controle seja de alguém de fora que seja correto e profissional, mesmo que não tenha ligação ou identificação com o Tricolor.
Só que iniciar esse processo vendendo parte da base (o clube entende que pode conseguir uns R$ 600 milhões dessa forma), seja para o grupo que for (fala-se em dois interessados da Inglaterra, um da Itália e outro da França, além do já famoso grego que pode adquirir o Vasco), não me parece o ponto de partida ideal.
Ao contrário, isso dá toda pinta de desespero. Os grandes clubes brasileiros estão sendo vendidos por valores relativamente pequenos porque estão com dívidas até o pescoço. O São Paulo está nesse caminho. O ano de 2025 gera a esperança nos são-paulinos do tão esperado tetra da Libertadores, mas também aponta para o início de algo cujo final é sombrio.