Congressistas merecem elogio por aprovar imposto sobre refrigerantes – 18/12/2024 – Drauzio Varella

Pela primeira vez na história da humanidade criamos uma geração de crianças que se negam a beber água. Matam a sede com refrigerantes e sucos cheios de açúcar.

O caso dos refrigerantes é mais grave, porque muitos contém cafeína e outras substâncias capazes de provocar crises de abstinência. Acha exagero da minha parte, prezada leitora? Pergunte para um adolescente que toma diariamente o refrigerante mais popular se é fácil ficar livre dele. Pergunte para uma pessoa adulta acostumada a tomar uma latinha nas refeições se consegue substituí-la por um copo de água.

Os refrigerantes tomaram conta das mesas e das geladeiras das famílias. Embora sejam consumidos em todas as classes sociais, nas populações pobres o estrago é mais perverso, já que muitos deixam de comprar alimentos essenciais para gastar com produtos de valor nutritivo zero.

A natureza do trabalho que faço tem me levado a cidadezinhas distantes, em que vivem comunidades desassistidas e nas quais você não consegue encontrar cenoura, tomate ou um pé de alface, mas os refrigerantes estão disponíveis em qualquer vendinha ou botequim de beira de estrada.

Num povoado do Alto Rio Negro, vi um barco-gaiola descarregar tantas garrafas pet de refrigerantes tamanho família que os pacotes com uma dúzia formavam uma pilha de mais de um metro de altura por dez de comprimento. Quando perguntei para o barqueiro quanto tempo levavam para consumir aquele carregamento, respondeu: “Menos de um mês”.

O sucesso se deve às quantidades absurdas de açúcar presentes na maior parte deles: sete colheres de chá em cada latinha. Mas esse não é o único problema. A indústria acrescenta flavorizantes e inúmeros aditivos que lhes conferem gosto particular e estabilidade para durar meses nas prateleiras. Os que recebem o rótulo de diet, zero ou light talvez sejam ainda mais perniciosos.

A literatura médica tem mostrado que esse consumo não é inócuo. Ele está associado a cáries e outras afecções dentárias, excesso de peso, aumento do risco de incapacitação e morte por doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, diabetes, vários tipos de câncer e, principalmente, obesidade, condição que se dissemina feito epidemia em países ricos e pobres.

Estudos realizados no Brasil mostram que eles e outras bebidas açucaradas são responsáveis por 13 mil óbitos anuais e mais de 20% dos casos de sobrepeso e obesidade infantil, condições que afetam 2,9 milhões das nossas crianças. Na minha infância eram raras as crianças com obesidade, hoje estão em toda parte.

As estimativas são de que o SUS gaste R$ 3 bilhões anuais com o tratamento dos problemas de saúde provocados por bebidas açucaradas.

Razões como essas levaram 81 países a tributar bebidas com excesso de açúcar, providência oficialmente recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Banco Mundial.

O Parlamento brasileiro acaba de aprovar o projeto de lei que propõe o aumento de impostos sobre refrigerantes, o que, ao lado de outros produtos nocivos à saúde, como cigarro e bebidas alcoólicas, ficou conhecido como “imposto do pecado”. Uma pesquisa do Datafolha realizada em 2023 havia revelado que 94% dos brasileiros eram favoráveis a ele.

Não foi fácil resistir ao lobby da indústria e dos políticos ligados a ela, que pressionaram para evitar o imposto. Para conseguir aprovar o texto na Câmara, depois de ter passado pelo Senado, houve intensa mobilização, que reuniu pesquisadores, professores universitários, associações médicas mais representativas e organizações da sociedade que publicaram um manifesto assinado por especialistas brasileiros e internacionais. O tema deu origem a um editorial da Folha em defesa da taxação.

Na última segunda-feira (16), a Câmara dos Deputados finalmente aprovou o projeto. Tão criticados pela população, os deputados e senadores responsáveis pela aprovação merecem elogios. Representantes do povo são eleitos para defender os interesses da sociedade, sobretudo quando afetam a saúde pública.

A questão dos alimentos ultraprocessados precisa ser considerada prioridade. As doenças causadas pelo consumo desses produtos que nossas avós não consideravam comida aumentam o risco de condições crônicas que constituem as principais causas de morte entre nós: obesidade, doenças cardiovasculares e câncer.


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