Copom: tentar ‘ganhar tempo’ é uma armadilha perigosa – 01/08/2024 – Solange Srour

A decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de manter os juros em 10,5% veio acompanhada de um tom mais duro no seu comunicado, porém não tanto quanto o mercado esperava. Termos como “mais vigilância” e “maior cautela” expressaram que o nível de preocupação com a trajetória da inflação aumentou, mas não a ponto de já colocar na mesa a possibilidade de alta de juros em um futuro próximo. A sensação que ficou foi que o BC (Banco Central) quis “ganhar tempo” para avaliar melhor as conjunturas doméstica e internacional, antes de iniciar o processo de subida de juros. Será que postergar comunicações e decisões difíceis não traz consequências adversas?

Para responder à pergunta, é importante entender por que o mercado já embutia uma alta de juros em setembro de cerca de 25 pontos base antes da decisão do Copom. São vários os motivos, muitos dos quais citados e enfatizados pelo próprio Copom.

Em relação ao ambiente externo, o cenário ainda é muito desafiador. Apesar de o Fed (Federal Reserve) já ter sinalizado que está na iminência de cortar os juros em setembro, há muitas incertezas sobre a extensão do ciclo que se inicia, principalmente com uma eleição presidencial que pode afetar bastante as perspectivas de médio prazo para a inflação e os juros americanos. Paralelamente, os dados mais recentes de China vêm decepcionando e o governo não parece disposto a trazer um superpacote de estímulo fiscal, o que pode impactar países emergentes exportadores de commodities. Para completar, o risco no Oriente Médio aumentou, mesmo levando em conta que o petróleo não subiu tanto com a demanda enfraquecendo.

No entanto, é no cenário interno que residem os principais argumentos para o início do ciclo de alta de juros. Apesar de a inflação corrente estar comportada, as expectativas de inflação dos próximos anos estão em um movimento de desancoragem preocupante. O nível de desancoragem atual para os próximos dois anos é de cerca de cem pontos base, patamares que em ciclos anteriores de aperto já justificaram seu início. O BC inclusive adicionou a possibilidade dessa desancoragem ser mais prologada no seu balanço de riscos, ainda que estejamos convivendo com esta situação desde o começo do ano passado quando se discutia mudança na meta de inflação.

Na política fiscal, podemos dizer que já perdemos a credibilidade no arcabouço. Depois das mudanças das metas de 2025 e 2026, tivemos o anúncio de cortes insuficientes para 2024. Aqui também parece que a estratégia é ir “ganhando tempo” para não causar um choque com um contingenciamento substancial antes das eleições municipais. Entretanto, a percepção dos agentes é que mesmo que a meta de primário e o teto de gastos sejam respeitados este ano, o desafio para os próximos é tão grande (exigindo reformas estruturais dos gastos) que teremos mudanças nas regras fiscais.

A depreciação atual do câmbio é resultado tanto da desconfiança em relação à reação do BC ao aumento das expectativas de inflação, quanto outros pontos como a perda da credibilidade nas regras fiscais e a desaceleração na China—fatores que até o momento não têm compensado a descompressão da curva de juros americana. O Copom também enfatiza que uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada é um fator altista para a inflação, mas não o vê trazendo uma assimetria para a inflação prospectiva.

Por fim, a atividade econômica—em particular, o mercado de trabalho—segue apresentando um dinamismo maior do que o esperado, o que tende a gerar uma resiliência maior na inflação de serviços.

O Copom entende que toda essa conjuntura levará a um processo de desinflação mais lento. Mas, em paralelo, oficializa que o horizonte relevante para a política monetária será, daqui para frente, o mesmo horizonte de aferição estabelecido pelo decreto de metas contínuas de inflação—ou seja, 18 meses. É verdade que esse horizonte já estava sendo utilizado pela atual diretoria há algum tempo, mas com certa flexibilidade. O uso do peso maior ou menor atribuído para o ano seguinte variava de acordo com a avaliação do BC sobre os choques enfrentados pela economia. Ao colocar o primeiro trimestre de 2026 como horizonte relevante, as projeções para 2025 perderam peso na discussão sobre os próximos passos da política monetária.

É claro que todas essas impressões podem mudar, se a ata a ser divulgada na terça-feira (6) for mais conservadora do que o comunicado. Não são raros os episódios em que o BC tenta ajustar sua comunicação pós-reação do mercado. Mas há custos. Dependendo da discussão apresentada no documento, a impressão para o mercado pode ser de divisão dos integrantes do comitê, o que trará mais dúvidas para a atuação do Copom no ano que vem. Outro custo é que, neste interim, a taxa de câmbio mais depreciada e as expectativas de inflação mais alta implicam em pressão sobre os preços.

Na quinta-feira (1º) o real fechou perto de R$ 5,74, performando pior do que nossos pares mesmo já estando em níveis mais depreciados. A inflação implícita (expectativa de inflação inferida através dos títulos públicos) de dois anos atingiu 5% e a curva de juros ficou mais inclinada, sinal que o BC deverá subir os juros mais a frente.

Para uma política monetária eficaz, é essencial que os bancos centrais ajam de maneira proativa e não reativa. Decisões adiadas podem se traduzir em problemas maiores e mais difíceis de resolver no futuro. “Ganhar tempo” definitivamente não é uma estratégia livre de riscos, principalmente quando estamos em um ambiente repleto de incertezas. No fim, o resultado pode acabar sendo uma corrida contra o tempo perdido.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *