Cúpula da Otan ocorre em clima de apreensão em Washington – 10/07/2024 – Lúcia Guimarães

Cúpula da Otan ocorre em clima de apreensão em Washington - 10/07/2024 - Lúcia Guimarães

A cúpula da mais antiga e democrática aliança militar, no aniversário de 75 anos, teria sido um momento de autocelebração. Mas uma guerra em solo europeu, na Ucrânia, e múltiplas convulsões com a emergência da ultradireita isolacionista em democracias como a França e o anfitrião Estados Unidos, não deixam tempo para tapinhas nas costas.

Com exceção de uma merecida Medalha da Liberdade, a mais alta honraria civil americana, conferida ao norueguês Jens Stoltenberg, que se despede da liderança da Otan, a cúpula da aliança transcorre num clima de apreensão que evocou, na capital americana, comparações à última ceia.

Na semana em que a nota do Itamaraty sobre o hediondo bombardeio ao hospital infantil de Kiev covardemente omite o nome Rússia para identificar a autoria do ataque, democracias como Reino Unido, Canadá, França e Alemanha, que celebraram com alívio e derrota de Bolsonaro, não podiam estar mais distantes do stalinismo light que parece inspirar a postura oficial do Brasil diante de ditaduras expansionistas como a Rússia e a China.

É difícil ouvir os desafios enfrentados por líderes oposicionistas em fuga como Svetlana Tsikhanouskaia, da Belarus, presente à cúpula, e encontrar justificativa moral ou histórica para o contorcionismo do Itamaraty, cuja oferta de mediação trata a Rússia invasora como “uma das partes”, numa primária confusão de paz com ocupação de uma nação soberana.

A Otan foi fundada em 1949, impulsionada por Winston Churchill que, preocupado com o efeito da retirada militar americana, após o final da Primeira Guerra, expressou ao presidente americano Harry Truman o temor de que Stalin se aproveitasse da segunda partida, após a derrota de Hitler, do então único poder nuclear ocidental.

Se a Segunda Guerra inspirou a fundação da ONU, em 1945, a Otan nasceu como um pacto anticomunista em resposta à União Soviética. A aliança atendia não só aos interesses de integridade territorial dos europeus, mas a objetivos específicos e nada angélicos do superpoder americano.

Stálin esperneou o quanto pôde contra a criação da Otan. Quando a traumatizada Tchecoslováquia, recém-liberada da ocupação nazista, ensaiou pedir ajuda econômica americana pelo Plano Marshall, Stalin instalou comunistas no poder em Praga via golpe. Em seguida, numa resposta à fundação da Otan, criou o Pacto de Varsóvia, composto de países-satélite de Moscou.

Como carioca crescendo na ditadura odiosamente apoiada por Washington, até o governo de Jimmy Carter azedar a relação com os milicos, não tinha e não tenho dúvida sobre o lado da cerca global onde prefiro ter me criado. Especialmente depois de, morando em Nova York, me tornar amiga de refugiados do Leste Europeu que desembarcaram aqui nos anos 1980. Ouvindo suas histórias dolorosas, aprendi a me calar quando demonstravam afeto por Ronald Reagan.

O parágrafo acima é quase pueril –prefiro liberdade à ditadura– não fossem dois anos de despautérios sobre a invasão da Ucrânia proferidos pelo desinformado presidente brasileiro, com apoio do muito bem-informado Richelieu de Brasília que, há semanas, teve a desfaçatez de garantir a jornalistas que Vladimir Putin “tem falado mais em diálogo”.

Até outubro de 2022, meus amigos americanos de esquerda me perguntavam como era possível Bolsonaro ter chegado ao poder. Agora, perguntam por que Lula apoia o colonialismo russo.


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