É melhor desistir ou seguir lutando?

Biles, mulher negra, aos 23 anos, não teve a receptividade do senhor americano. Pelo contrário: sua nação esperava que ela superasse o que fosse para brigar por uma medalha. O documentário da Netflix mostra em detalhes a reação da mídia e do público. “É um cara que nem sabe dar uma cambalhota e vem me julgar”, diz a melhor ginasta do mundo sobre um dos jornalistas que a atacou em Tóquio. Tem um ponto mesmo.

O que aconteceu com Simone foi sério. Ela teve um tipo de apagão entre o salto e a aterrissagem. Estamos falando de uma mulher que pula em velocidade alta e dá piruetas no ar. Cair errado faz perder medalhas. Cair muito errado pode ser fatal. Naquela situação, desistir é se proteger. Não tem muita escolha.

Francisco Bosco disse no Papo de Segunda, da GNT, que, na teoria, quando algo nos faz estruturalmente mal, é hora de desistir. Quando algo nos faz estruturalmente bem, mas tem ponto negativos, não é a melhor opção fugir. Nisso entra um casamento legal, por exemplo. Não faz sentido se separar só porque brigou. Mas se só brigar, faz. O problema é que nem sempre essa decisão racional fica clara nas piruetas carpadas que nosso cérebro dá. Olha o que tem de gente insistindo em relacionamentos tóxicos horrorosos sem sequer procurar a porta de saída. (Aqui, um adendo: existe uma vida maravilhosa após um relacionamento abusivo. Procure apoio de pessoas queridas, converse sobre assunto e mantenha em mente que desistir é, sim, uma opção benéfica.)

Outro ponto que separa Simone Biles, a melhor ginasta da história do esporte, de nós, pessoas que vão para o escritório todo dia, é a possibilidade de virar a mesa, jogar o laptop no chão e dizer chegaaaaaaa. Toda vez que me dá muita vontade de fazer isso, eu abro uma pastinha que chama boletos e fico brincando de escolher qual eu vou pagar primeiro. Dá uma vontade danada de voltar a trabalhar bem quietinha, você precisa ver.

Emicida tem uma frase interessante sobre a maneira como a gente se julga no passado. Falamos do que já aconteceu de um lugar muito confortável que é o futuro. Hoje, Biles agradece o salto errado pois sabe que com esse deslize levantou a bandeira de saúde mental. O documentário vai fundo nos acontecimentos da vida da atleta, que envolvem abuso de drogas materno, adoção e abuso sexual no esporte. É comum mirar em uma coisa — a medalha olímpica em 2021 — e acertar em outra — um debate mundial sobre os limites não só do atleta, como de qualquer pessoa. A hora de parar. Recuar. Pensar. Aceitar que talvez o plano não precise ser bem aquele. Mais difícil do que concretizar o que se quer pode ser refletir se ainda se deseja aquilo, né? E a que preço?

A gente muda. O que fica é a essência. Simone tatuou a frase de Maya Angelou: “Ainda assim, eu me levanto”. É de sua essência levantar. Na volta aos treinos, se diverte no ginásio compreendendo que se achar e se perder (e tudo aquilo que é viver) fazem parte da construção de sua saúde mental. “Quis desistir umas 500 mil vezes e teria desistido se não fosse por elas”, diz sobre as colegas de equipe que arrancavam gargalhadas nesse percurso. Quando sobe ao pódio no Mundial, em 2023, olha para si e para as outras duas meninas negras que estão ao seu lado. Uma delas é a nossa Rebeca Andrade. Ela está ali por todas as próximas que virão também. Simone voltou porque soube parar.

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