A ExpoCristã voltará, após um hiato de quatro anos, no que espera ser um divisor de águas do mercado evangélico. E não é só uma forma figurativa de falar sobre o setor que, nas projeções internas, movimenta bilhões por ano e espera crescer junto com a fatia religiosa que mais aumenta no país.
A passagem bíblica em que Moisés estende seu cajado, e o mar Vermelho se divide a mando de Deus para abrir caminho ao povo israelita, será replicada numa experiência virtual montada na feira de negócios. Outras imersões interativas vão reproduzir as dez pragas do Egito, da infestação de piolhos às nuvens de gafanhoto, o Coliseu, com duelos entre feras e “cristãos que não negavam sua fé”, e a Arca de Noé.
Não são mares nunca antes navegados pela marca que se vende como “o maior evento cristão da América Latina” e que, sem nova edição desde 2019, trocará São Paulo por Rio em 2024. Acontecerá entre quinta (5) e domingo (8) no Riocentro, centro de convenções na zona oeste carioca.
Mas o último quadriênio foi de águas turbulentas para o nicho, e Paulo Eduardo Oliveira é o primeiro a admitir. A praça voltada ao consumidor evangélico, diz o diretor comercial da ExpoCristã, sofreu um baque com a pandemia de Covid-19.
A recuperação demorou para engrenar, e grandes atores do mercado, como a empresa por trás do Smilinguido, a formiguinha que prega valores cristãos, ainda não retomaram o fôlego de outrora.
Daí a demora para reativar a feira, mesmo depois que a crise sanitária já tinha arrefecido. “Achamos mais inteligente não fazê-la em 2023”, afirma Oliveira. “O mercado ainda não estava muito solícito a isso.”
A ressurreição, agora em versão carioca, conta com apoio do Comerj, um conselho de pastores que reúne líderes de alto quilate na cena evangélica, como Silas Malafaia, Cláudio Duarte e Abner Ferreira. É a mesma entidade que organiza a Marcha para Jesus do Rio.
Oliveira estava lá quando a ExpoCristã começou, em 2001, só que com outro nome: chamava-se Feira Internacional do Consumidor Cristão, mudando para o batismo atual dois anos depois.
Eram outros tempos. Evangélicos respondiam então por 15% da população, segundo dados do Censo 2000. Estima-se que hoje sejam o dobro disso. Até já existia uma bancada, mas não uma Frente Parlamentar Evangélica formalizada no Congresso —aconteceria dali a dois anos, coincidindo com o início do primeiro governo Lula (PT).
A atenção dada à indústria gospel era rarefeita, com pouca variedade de produtos, muitos de qualidade duvidosa. O meio se profissionalizou um bocado nestes últimos 23 anos, ainda que o filão de feiras evangélicas tenha tropeçado no caminho.
A ExpoCristã se firmou como a grife mais forte do gênero, mas não sem enfrentar percalços. Já passou por donos distintos, alguns quebra-paus e uma tragédia: Eduardo Berzin, seu idealizador, foi conferir uma nova concorrente em 2013, passou mal e ficou em coma por três anos até morrer.
E 2013 não foi fácil para esse mercado. A ExpoCristã foi desalojada do pavilhão do Anhembi, acusada de dar calote, e por fim acabou cancelada. As Organizações Globo, por meio de sua empresa Geo Eventos, chegaram a emplacar a FIC (Feira Internacional Cristã) no mesmo ano, chamada de “puro business” por Malafaia. Teve vida curta. Foi a última feira que Berzin visitou antes de sofrer um infarto.
A Globo ainda tateava para tentar entrar num segmento para o qual não deu muita bola por décadas. Montou na mesma época o Festival Promessas, com cantores gospel que nos anos seguintes passariam a dar as caras em seus programas. A aproximação se deu aos poucos. No ano passado, veio a primeira protagonista crente numa novela, “Vai na Fé”.
Em 2024, numa parceria inédita, segundo Oliveira, a emissora terá um estande na ExpoCristã para promover uma cobertura intensa do evento.
A feira também vai receber os irmãos Alex e Stephen Kendrick, responsáveis por blockbusters cristãos como “Quarto de Guerra”. Eles vêm ao país para lançar “A Forja – O Poder da Transformação”, filme sobre um jovem de nome bíblico, Isaías, recém-formado no ensino médio, viciado em basquete e videogame e sem planos para o futuro.
Gravadoras como Universal, Todah e MK Music trarão artistas para se apresentar. São nomes gigantes no meio, embora pouco conhecidos fora das igrejas, como Ton Carfi, Mariana Valadão e Davi Sacer.
Oliveira, o diretor comercial da feira, aponta que “o perfil do consumidor cristão é baseado muito na necessidade da sua família”. Ele busca produtos que contemplem todo o núcleo familiar, como viagem e educação. A Faculdade Vitória em Cristo, sob guarida da igreja de Malafaia, terá banca lá.
Literatura é outro galho forte. O hábito de leitura dos crentes, diz Oliveira, é maior do que a média, “até porque a Bíblia faz parte do nosso dia a dia”.
“E crente”, ele lembra, “tem taxa de consumo de alimentação maior, a gente não gasta com comida, mas gasta com bebida”.
E isso não é de hoje. Edições passadas receberam microempresas como a Cocktail Gospel, com drinques não alcoólicos. Um copo de Beijo de Judas saía por R$ 4 em 2011. O drinque de caju, maracujá, grenadine e leite condensado era apenas um dos refrescos dessa indústria em ascensão.
Teve uma época, conta Oliveira, que o maior conglomerado de bebidas do país “queria estar na feira”, com a oferta de uma cerveja sem álcool. “Mas não deu certo, não tinha muito a ver.”