Inter x Milan: a história da famosa foto Materazzi x Rui Costa

Neste domingo (22), os arquirrivais Inter de Milão e Milan se enfrentam às 15h45 (de Brasília), em dérbi pela 5ª rodada do Campeonato Italiano, com transmissão ao vivo pelo Disney+. E, quando se fala no Derby della Madonnina, é impossível não lembrar do famoso e polêmico jogo pelas quartas da Champions League 2004/05, quando os rossoneri eliminaram os nerazzurri em uma partida que nunca chegou efetivamente a terminar.

Na ocasião, os rubro-negros haviam vencido a ida por 2 a 0 e iam ganhando por 1 a 0 na volta quando a torcida da Internazionale “apelou”. Aos 27 do 2º tempo, os fãs da equipe azul e preta começaram a atirar sinalizadores no campo do estádio San Siro, e um deles acertou o goleiro brasileiro Dida, que se feriu. O jogo foi paralisado, com os jogadores indo para os vestiários e retornando depois de aproximadamente 20 minutos.

Quando o árbitro Markus Merk ameaçou recomeçar o duelo, porém, mais sinalizadores foram jogados, enchendo o campo de fumaça laranja e impedindo o reinício do dérbi. E foi justamente neste momento que uma das mais famosas fotos da história do futebol foi tirada.

Enquanto assistiam à cena, o zagueiro Marco Materazzi, da Inter, e o meia Rui Costa, do Milan, se aproximaram. Mesmo em meio à tensão da cena, eles protagonizaram um grande momento de esportividade, com o defensor se apoiando no ombro do meio-campista por alguns segundos enquanto “admirava” a luz dos sinalizadores – o jogo seria encerrado logo depois disso, com a Uefa considerando os milanistas vencedores por W.O.

O momento durou apenas alguns segundos, mas foi capturado e eternizado pelo fotógrafo italiano Stefano Rellandini, que à época trabalhava para a agência Reuters.

A imagem correu o mundo, sendo usada em praticamentes todas as capas de jornais do planeta, além de dominar as páginas iniciais dos portais de notícias. E, mesmo tantos anos depois, a foto de Rui Costa e Materazzi segue sendo vista por aí, aparecendo em camisetas, objetos de decoração e suvenires de todos os tipos.

Em entrevista à ESPN, Stefano Rellandini, que hoje trabalha como fotógrafo e editor da agência AFP em Paris, na França, relembrou seu clique mais famoso e explicou por que ele foi o único a ter conseguido registrar o exato momento da “encostada” de Materazzi, mesmo com centenas de profissionais mirando suas câmeras para aquela cena ao mesmo tempo.

O italiano, que trabalhou por mais de duas décadas fotografando em Milão para a Reuters, também não ficou em cima do muro e revelou seu time de coração.

Confira a entrevista com Stefano Rellandini:

ESPN: Qual sua grande lembrança daquele clássico Inter x Milan de 2005?
Stefano Rellandini: Eu cresci em Milão e fiz fotos de futebol para a Reuters durante mais de 20 anos. Basicamente, todos os dérbis em Milão são partidas meio diferentes, por causa da atmosfera e tudo mais. Não é um jogo normal. São duelos especiais para todo mundo, por causa da torcida, dos jogadores… Os dois times querem ganhar, claro que eles querem ganhar sempre, mas querem ganhar mais do que tudo essa partida, porque o dérbi é especial. Para os fotógrafos é a mesma coisa. É uma cobertura um pouco mais estressante do que as outras normais, de um campeonato de Serie A ou uma partida da Champions League. Por isso, você quer pegar a melhor cena, quer ter a melhor foto, para mostrar aos seus clientes diretos e aos jornais. Então, para os dois lados, sempre que acontece um dérbi é um dia muito especial.

ESPN: O que você lembra do exato momento em que tirou a icônica foto?
SR: Aquela partida foi suspensa por uns 20, 25 minutos, o que foi um pouco estranho, já que é muito incomum parar um jogo por quase meia hora. Eu me lembro que o Dida foi atingido por alguma coisa na cabeça. Isso aconteceu depois que o árbitro invalidou um gol do Cambiasso, e o Dida estava jogando perto da torcida da Inter de Milão. Então, assim que o árbitro invalidou o gol, a torcida da Inter de Milão simplesmente explodiu e começou a jogar coisas no campo, sinalizadores, tudo o que estavam segurando. Então, a arbitragem parou o jogo e os atletas voltaram para o vestiário por uns 20 minutos. Até nós, os fotógrafos, não entendemos direito o que estava acontecendo Até aquele momento, eu estava focado em tentar uma foto festiva de gol, ver a comemoração mais legal, que normalmente é o foco nas fotos esportivas, de futebol. Mas aí pararam o jogo, os jogadores ficaram no vestiário por 20 minutos e, quando eles voltaram para o campo, nós falamos: ‘Beleza, vai voltar a partida’, e aí podíamos continuar trabalhando. Mas, na verdade, a partida não voltou e os jogadores ficaram lá só observando, porque, como você pode ver na foto, havia muitos sinalizadores. Estava rolando uma grande confusão, e até os bombeiros estavam no campo.

ESPN: E por que só você conseguiu fotografar o exato momento em que o Materazzi se encosta no ombro do Rui Costa?
SR: Foi assim: uma hora, eu vi o Marco Materazzi e o Rui Costa estavam um ao lado do outro. Eles estavam vendo o que estava acontecendo e, não sei se você se lembra, mas Materazzi era conhecido por ser um bruto, não fazia as coisas mais gentis em campo (risos). Por outro lado, o Rui Costa era o que a gente chamava de ‘artista’, o futebol dele era mais artístico e poético, pelo jeito que ele jogava. Eles estavam um ao lado do outro e eu comecei a tirar fotos, porque era uma cena muito divertida. Afinal, naquele momento tão tenso, no meio daquelas quartas de final, era esquisito ver dois jogadores rivais tão perto um do outro, e eu, como fotógrafo, achei o fundo da cena muito bonito também. Em determinado momento, o Materazzi apoia o cotovelo no ombro do Rui Costa só por alguns segundos. Só eu tenho o frame exato disso, porque fotografei antes, quando estavam perto um do outro, e também depois, quando ainda estavam próximos, mas eu só tenho uma foto deles nessa posição exata. Na hora eu percebi que ela era um pouco diferente das outras, e por isso separei com carinho. Para falar a verdade, não sei por que meus colegas não conseguiram pegar esse momento, sabe? Mas a verdade é que, naquela hora, estavam acontecendo várias coisas no campo, então não tinha como se concentrar só em uma delas, porque alguns sinalizadores ainda estavam acesos, os bombeiros estava em volta, a partida ainda não tinha recomeçado… E eu tive sorte por ter sido o único a conseguir tirar essa única foto, e ela ficou boa, começou a circular mundialmente praticamente na mesma hora.

ESPN: Essa foto é o chamado “momento decisivo”. Qual a melhor maneira de capturar um “momento decisivo”?
SR: Depois de 20 anos fotografando futebol, vou ser sincero: você precisa de sorte. Todo fotógrafo tenta pegar o momento certo e tirar a foto na hora certa, mas sendo bem honesto, muito disso é ter ou não sorte, porque… Preciso ser honesto sobre isso: você pode se concentrar, como fotógrafo, em um determinado momento e tentar capturá-lo, mas precisa ser sortudo também.

ESPN: Quando você olhou para a foto pela primeira vez, sabia que tinha “encontrado ouro” ou achou que era apenas uma foto legal?
SR: Não, não, não… Sendo muito sincero, eu acho que nenhum fotógrafo pode dizer que reconhece ali na hora que alguma foto que tirou se tornará icônica. Quando tirei essa foto, a primeira coisa, eu pensei: ‘Puxa, só eu consegui essa foto’. Isso, na minha área, já faz essa foto estar em um nível acima das outras, sabe? Você tem uma série de quadros onde tem, nesse caso, dois jogadores próximos um do outro. É uma série de quadros porque estava fotografando com um booster, então saem de 10 a 15 fotos semelhantes, mas me chamou a atenção na hora esse quadro no qual Materazzi e Rui Costa estão nessa posição, com o cotovelo apoiado. Como fotógrafo, você sabe que isso é diferente. Mas não dá para saber desde o começo que é uma imagem especial. Não tem como ter certeza que essa foto vai se tornar icônica. Você pode ver que ela é diferente das outras, pois não é aquela foto padrão de dois jogadores brigando pela bola ou se desafiando. Mas, no fim das contas, ela conta a história do que foi aquela noite. Eu comecei a notar a importância dela dias depois, quando vi que todos os jornais físicos e online estavam usando a foto o tempo todo sempre que estavam falando sobre esse jogo. Aí você começa a perceber que fez um bom trabalho. E, depois de muitos anos, eles ainda continuam usando a foto! Outro dia, por exemplo, oeu estava pesquisando no Google meu nome e ‘Materazzi’ e ‘Rui Costa’ e vi que fizeram uma camiseta com ela de vários jeitos diferentes. Então, nessa hora, você pensa: ‘Que legal, essa foto ainda está por aí mesmo depois de quase 20 anos’. Isso me faz notar que de fato ela é uma foto icônica.

ESPN: Você ganha algum tipo de royalties por essa foto ou todos usam sem pagar nada?
SR: Não, não ganho (risos)… Naquela época, eu era fotógrafo da Reuters, então nós não ganhávamos algum tipo de dinheiro extra pelas fotos. Mas ainda é engraçado ver como todos usam a foto tantos anos depois. Na internet, por exemplo, elas pegam uma foto e fazem o que querem com ela. Outro dia mesmo vi que fizeram várias camisetas usando a minha foto de jeitos diferentes e eu não ganhei nem um centavo com isso. Pensei: “Talvez eu compre uma para minha filha…” (risos).

ESPN: Pessoalmente, qual seu sentimento quando vê sua foto ainda circulando tantos anos depois? Fica orgulhoso?
SR: Depois de muitos anos trabalhando em jogos de futebol, seja em Copas do Mundo, Eurocopa, Europa League, Champions League, Serie A, debaixo de chuva, no frio, o que fosse… Você produz centenas e centenas de fotos que vão se perder no tempo e espaço… Toda vez que eu vejo essa foto, mesmo em um site pequeno ou em um blog, sempre que alguém a menciona como a foto que representa a partida, eu lembro que, realmente, no fim das contas, meu nome está gravado em um espacinho no mundo do futebol, no mundo todo, e isso me deixa orgulhoso e feliz. Depois de tantos anos, eu posso dizer: “Eu assinei meu nome no futebol”.

ESPN: Você também acha que essa foto ficou tão famosa porque ela vai um pouco além do futebol em si? E ela é sua foto favorita ou tem outra que você goste mais?
SR: Se você falar com um fotógrafo esportivo ou um fotógrafo especializado em futebol, eles preferem capturar uma comemoração, alguma celebração especial. A foto que todos querem é a do Lionel Messi levantando a taça da Copa do Mundo no Catar, porque é uma ótima foto, é histórica. Ou se você pegou um chute de bicicleta do Cristiano Ronaldo… Essas são boas fotos. Mas a minha foto é completamente diferente. Ela fala sobre o futebol, sobre amizade. Vendo essa foto, você vê que o futebol não é só um esporte ou um negócio negócio, e é isso que a torna única. Então, para mim, essa é uma das minhas melhores fotos, devo dizer.

ESPN: Agora que você não vive mais em Milão e não cobre o dérbi, pode revelar qual seu time de coração: Milan ou Inter?
SR: No meu coração… Devo dizer que manda a Inter de Milão (risos). Espero que a gente seja melhor do que o Milan dessa vez.

Onde assistir a Inter de Milão x Milan?

Inter de Milão x Milan, neste domingo (22), às 15h45 (de Brasília), pelo Campeonato Italiano, tem transmissão pelo Disney+.

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