Jardine diz o que falta para técnicos brasileiros irem para grandes países

Um ano, quatro títulos e contrato renovado até 2027. Depois de boa passagem pelo modesto Atlético San Luís, André Jardine chegou ao gigante América-MEX com o pé na porta e marcando seu nome na história do clube.

Seu sucesso em um dos maiores times do país faz com que outros grandes centros se interessem por sua contratação, incluindo mais recentemente o Internacional, fato que nem mesmo o ouro nas Olimpíadas com a seleção brasileira conseguiu.

“Não parece ser fácil, mas conquistar um ouro olímpico é uma das coisas mais difíceis para qualquer seleção. Basta a gente ver o histórico da nossa própria seleção nas Olimpíadas. E o nosso trabalho foi muito bom. Mas talvez gerasse sempre aquela pergunta de ‘será que estão prontos para o futebol de clube? Será que estão prontos para a pressão que é o dia a dia? Será que têm a competência suficiente para assumir uma instituição pesada no Brasil?’ A gente sentia isso. Algumas sondagens apareceram, mas nada que me convencesse na época da seleção”, disse em exclusiva ao ESPN.com.br.

“E eu acho que a partir desse trabalho aqui no América, sendo um clube com o nível de pressão ao máximo, com condições iguais às condições do Brasil, chancela a qualidade do nosso trabalho para ninguém mais ter dúvida. E, a partir de agora, eu imagino que vá haver o interesse de clubes do Brasil, de clubes de fora, das próprias seleções. Acho que vai nos dando crédito, vai nos dando experiência, gordura, casca, para talvez em um futuro próximo também poder buscar o espaço no Brasil ou até em outras ligas de fora, porque é um pouco que passa na minha cabeça a vontade de conhecer outros lugares no mundo e ter experiências diversas”, completou.

Seu sucesso no país ainda ajudou outros técnicos brasileiros a serem mais visados no México. Além de Gustavo Leal, que passou a última temporada como seu sucessor no San Luís, Mauricio Barbieri assumiu o Juárez.

“Hoje, os treinadores brasileiros acabaram indo para ligas que não são tão importantes, ligas que talvez o mercado do futebol não valorize tanto. E eu acho que nós precisamos entrar em ligas mais importantes. Talvez começar pela América, com a Argentina, com o México. Talvez alguém que vá para a liga chilena como hoje já temos o Tiago Nunes, a gente começar a desbravar também um pouquinho esse mercado latino-americano”, avaliou.

“E um passo seguinte é a gente conseguir entrar de novo no mercado europeu. A liga portuguesa, que ajuda pela língua, acho que a liga espanhola é uma liga importante, que deveria ter pelo menos de tempo em tempo um treinador brasileiro. Então, sinto que foi importante para nós esse movimento do Barbieri, um segundo treinador parece ser pouco, mas já somos dois. Quando eu cheguei, havia uma montanha de treinadores argentinos e uruguaios tomando conta da liga mexicana”, seguiu.

“E é muito curioso porque são nomes que são citados aí no Brasil constantemente para assumir times importantes. E treinadores e corpos técnicos que não têm os mesmos resultados que a gente já tem aqui, que não tem o mesmo histórico, mas que às vezes parece que, por falarem outro idioma, ganham já um crédito para assumir times importantes no Brasil. Pois bem, estamos aqui provando um pouquinho o nosso valor também do treinador brasileiro, a competência que a gente tem. E mostrando aí para o nosso mercado interno, mas para o mercado internacional também, que o treinador brasileiro tem força e tem tudo para tomar mais espaço no mercado”, acrescentou.

Abrir mercados para treinadores no exterior, inclusive, é um desafio que Jardine assumiu ser difícil – mas que também pode ser solucionado a médio prazo. Segundo ele, porém, há um problema que impede que brasileiros assumam clubes maiores de fora do país.

“Acho que é um pouco de coragem de abrir as portas, de sair de uma zona de conforto. Quando a gente sai do nosso país, a gente tem um certo desconforto de língua, de tirar a família de perto dos seus parentes mais próximos. Eu acho que é um movimento que quem deveria estar fazendo são os principais treinadores brasileiros”, afirmou.

“Porque a gente vê na Argentina, para dar o exemplo mais próximo, treinadores que vão tendo êxito e sucesso no Campeonato Argentino vão saindo e com isso abrindo espaço para novos treinadores trabalharem primeiro na liga nacional. E com isso também a gente exporta o que a gente tem de melhor, que é o que acaba levando adiante a nossa qualidade, o nosso nome. É o cenário desses grandes países a nível de formação de treinadores, e o Brasil tem que tentar seguir essa mesma linha”, complementou.

Um problema disso, porém, é a forma como esse processo tem sido feito no Brasil. “Então, no Brasil parece que o movimento às vezes é o contrário, é reverso. Os principais treinadores não saem, não tem essa ambição. Os que saíram foram muito rápido e depois de um trabalho já voltam. Então deveriam, os melhores treinadores, irem saindo e abrindo espaço para novas gerações irem assumindo. E aí é um movimento sem volta, porque muitas vezes você vai para uma liga mais importante, que vai pagar melhor, ter um padrão de vida bom também. Vai te desenvolver como pessoa e como profissional. Vai aprender uma nova língua, uma nova cultura”.

“Claro que isso passa por qualificação. Eu acho que o brasileiro está se qualificando já, melhorando seus cursos, buscando se preparar. Mas esse movimento eu ainda não vejo. Daí o que acontece: como os melhores não saem, quem acaba saindo muitas vezes são os treinadores que não tem espaço no futebol nacional, mas aí já são de uma qualidade questionável ou com pouca experiência e batem nos mercados fora e muitas vezes não levam a qualidade que a gente sabe que temos. E passamos a ser questionados, passamos a ter um carimbo de uma qualidade baixa. E com isso vai cada vez se fechando o mercado na liga brasileira”, apontou.

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‘Único clube que se compara é o Flamengo no Brasil’: Jardine exalta tamanho da torcida do América no México

Técnico do clube mexicano concedeu entrevista exclusiva ao ESPN.com.br

O sucesso no México

Há quase dois anos e meio no México, Jardine vive seu melhor momento no América. Atual bicampeão mexicano e vencedor da Supercopa e da Copa dos Campeões, conseguiu tirar o gigante do país de um período de seca.

“A gente tinha esperança, porque o América já era um clube que vinha fazendo bons campeonatos, mas que pecava na reta final. Então, a gente chegou em um time que tinha uma boa base, fundamentos bastante interessantes, e o nosso trabalho foi identificar o que estava faltando”, revelou.

O treinador brasileiro ainda vive “lua de mel” com a torcida. Exaltado pelas conquistas, ele ainda não poupa elogios e fez comparação ao cenário que se vive no Brasil com o Flamengo.

“É impressionante. Nesses clubes de massa, a gente na verdade só consegue ter dimensão quando trabalha em um deles. E eu acho que o único clube que dá para se comparar com o América realmente é o Flamengo no Brasil. Porque, por onde a gente vai, é impressionante a quantidade de torcedores que sempre nos recebem no aeroporto, no hotel, no estádio”, elogiou.

“Para se ter uma ideia, a gente fez um amistoso o ano passado nos Estados Unidos e jogamos para 90 mil pessoas. Por onde a gente vai, sempre vai uma multidão atrás e é uma satisfação muito grande. Já me tratam como um treinador importante na história do clube. A gente sente isso. Era uma torcida que estava muito carente de títulos. E ganhar dois títulos consecutivos, isso não se fazia há 30 anos. Acho que o América não tinha nenhum bicampeonato”, finalizou.

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