Existe uma conhecida história chinesa que diz que, certo dia, um sábio sonhou ser uma borboleta. Logo que acordou, ele passou a se questionar se era mesmo um sábio que havia sonhado ser uma borboleta ou se era o inverso —e, na verdade, ele era uma borboleta que sonhava ser um sábio.
O conto é creditado ao poeta, filósofo e pensador chinês Chuang-Tzu, que viveu por volta do século 4º a.C., e influenciou uma série de artistas do oriente ao ocidente, do Nobel mexicano Octavio Paz ao rock brasileiro de Raul Seixas. Agora, essa história abre as portas de uma dobradinha da escritora Heloisa Prieto com a ilustradora Laurabeatriz.
As autoras, nomes fundamentais da literatura infantojuvenil brasileira, acabam de lançar pela HarperKids “O Sonho da Borboleta”, em que recontam a trama de Chuang-Tzu a partir do ponto de vista de uma menina chamada Vivian. “Eu gosto do meu nome porque ele tem duas asas de borboleta”, conta a personagem logo no começo do livro.
De um lado, Prieto cria com as palavras uma narrativa que vai de encontro à velocidade contemporânea, à agilidade desenfreada das redes sociais e ao pisca-pisca das telas e aplicativos. Tudo é calmo, espaçado, com uma garota que se diverte com brinquedos e não com celulares, além de ter uma fantasia de borboleta, conviver com os avós num jardim e encontrar pássaros, orquídeas, casulos e tartarugas.
Esse estilo de história com características mais orientais, sem conflitos muito bem definidos nem fórmulas predeterminadas por manuais de roteiro, encontra companhia e terreno fértil nas imagens de Laurabeatriz.
A ilustradora é dessas artistas que têm estética e assinatura demarcadas, o que geralmente faz você olhar uma de suas obra e identificar na hora a digital da autora. Mas isso não está somente na paleta de cores, nas pinceladas ou na forma das personagens.
Assim como nas dezenas de publicações feitas a quatro mãos com o escritor Lalau, Laurabeatriz ilustra em “O Sonho da Borboleta” o silêncio, a contemplação e um tempo que parece cada vez mais fora do nosso tempo.
É essa calmaria que surge também na outra parceria da ilustradora com Prieto. “Em Cantos” será publicado pela Leiturinha em outubro, enviado antes a quem participa do clube de assinaturas da marca. A previsão é que a obra esteja à venda para o público geral no mês seguinte, em novembro.
Dessa vez, a dupla narra a história de dois irmãos muito diferentes. A mais velha, Camila, adora festas e ama conversar, dançar e fazer bagunça. Já o caçula, Gael, é o inverso. Introvertido, ele prefere ficar sozinho, quieto, longe dos outros, nos cantos escondidos e embaixo das mesas —e isso confunde a cabeça da irmã agitada.
“Como assim? Todo mundo gosta de conversar! Todo mundo gosta de ganhar presentes!”, estranha a menina.
Esse choque de realidades e de visões de mundo conduz o título, que adota o ponto de vista da irmã mais velha para colocar o leitor no meio do processo de entendimento da diversidade da infância, período que pressupõe também a introversão, a timidez, a quietude e a divergência de comportamentos.
Laurabeatriz aposta no choque entre o azul e o cor-de-rosa para demarcar visualmente essa relação das duas crianças, que é de oposição, mas também de equilíbrio. Aliás, é sempre bom lembrar que o azul é a cor escolhida para representar o espectro do autismo, o que aumenta as possibilidades de interpretação.
Já no fim do livro, porém, “Em Cantos” traz no último parágrafo uma afirmação mais pedagógica e menos literária, que acaba servindo de moral da história e apontando para uma leitura única. Mas nada que comprometa o todo, que esbanja delicadeza, silêncios e contemplações, como no instante em que os dois irmãos se escondem juntos embaixo da mesa.
“Acontece que, debaixo da mesa, a luz era suave e colorida. As vozes se misturavam e soavam como uma nova canção”, diz o narrador. É como num sonho.
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