Leminski, 80 anos: Poema do escritor vira livro infantil – 24/08/2024 – Era Outra Vez

Era 1989 e o Brasil fervia num caldo político e social aquecido pelas primeiras eleições diretas para presidente após a ditadura. Nessa época, o poeta curitibano Paulo Leminski tinha lançado havia pouco o seu livro “Distraídos Venceremos”, que espelhava as transformações do país e brincava com o slogan “unidos venceremos”.

Entre os poemas da antologia aparece “A Lua no Cinema”, no qual o autor, que iria se tornar um dos maiores nomes da poesia marginal, narra com linguagem cheia de caprichos e relaxos a ida desse nosso satélite natural ao cinema para assistir a um filme sobre uma estrela que não tem namorado.

“Quando li, tive a ideia de fazer um livro artesanal com esse poema e dar de presente para uma das filhas do Leminski, a Estrela, que tinha oito anos na época”, conta o escritor e editor Alonso Alvarez. “Peguei cartolinas azuis e pretas, letras brancas aplicáveis, um aerógrafo, fiz o livro e mandei para o Leminski e para a Alice Ruiz, mãe da Estrela. Ele adorou e sugeriu editar daquele jeito.”

Foi assim que “A Lua no Cinema” se tornou um livro ilustrado, publicado em 1989 pela editora Arte Pau-Brasil. O selo era comandado pelo próprio Alvarez e tinha sido batizado com o nome da livraria tocada por ele desde 1985 em São Paulo —com destaque para a unidade do Bexiga, que abria as portas só de noite e costumava receber gente como Leminski e Alice, além de Augusto de Campos, Zé Celso, Maria Alice Vergueiro, Manoel de Barros e outros nomes da literatura, do teatro e da madrugada.

Leminski morreu naquele mesmo ano de 1989, aos 44 anos, vítima de cirrose hepática. “Distraídos Venceremos” foi seu último livro lançado em vida. Nascido em 1944, ele completaria 80 anos neste sábado, dia 24. Como homenagem ao octogésimo aniversário do poeta, “A Lua no Cinema” recebe agora uma nova edição ilustrada e recauchutada para crianças, desta vez com imagens de Marcio Levyman e publicada pela Ficções, atual projeto editorial de Alvarez.

“A ideia do relançamento surgiu por causa do Festival Paulo Leminski”, afirma ele, referindo-se ao evento que ocorre neste sábado em Curitiba para celebrar a efeméride e onde o título será lançado. “Fiz toda a direção de arte seguindo o projeto original e juntando o lúdico e a poesia com a astronomia. Até brinco que esse é o primeiro livro antiterraplanista para a infância.”

Enquanto a edição dos anos 1980 tinha cores chapadas e formas geométricas mais demarcadas, num flerte com um design pós-“Flicts” e com a estética de colagem usada por Ziraldo nesse clássico, a nova obra opta por um caminho mais colorido, psicodélico e bem-humorado.

Levyman foge do céu escuro e cria uma coleção vertiginosa de espirais arroxeadas, aproveitando para inserir elementos que brincam de esconde-esconde com o leitor —como baleias, constelações, planetas , girafas, monumentos famosos, astronautas, naves extraterrestres e outras surpresas espaciais.

Todo esse pacote visual embala os 16 versos que contam a tal história da Lua cinéfila e meio tristonha, que aproveita para mostrar pelas páginas da nova edição todas as fases lunares e as mudanças sofridas por causa de sua dança com a Terra e o Sol.

Mas, questões astronômicas à parte, é na literatura que “A Lua no Cinema” exerce um papel ainda mais importante. A obra ilumina a potência dos poemas de Leminski quando transformados em livros ilustrados e lançados para o público infantojuvenil —caso de “A Lua no Cinema” e de alguns outros, como “O Bicho Alfabeto”, ilustrado por Ziraldo, por exemplo. Mas poderia ter muito mais.

Com versos soltos, fluidos, informais, feitos para serem lidos em voz alta, cheios de rimas melódicas que se comportam feito música e imagens cobertas de um senso de humor afiado e afinado, o autor de “Catatau” se firmou nos últimos anos como nome pop da literatura brasileira e se tornou não só sucesso nas redes sociais, mas um improvável best-seller.

Só que ainda resta ser mais bem conhecido por outro público: as crianças. Poema para ser ilustrado é o que não falta.


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