O governo Lula jogou com o ministro do STF Flávio Dino para conseguir que os recursos destinados ao enfrentamento das queimadas possam ser contabilizados fora da meta fiscal deste ano.
O governo reclama com razão de que os parlamentares usurpam a sua função de executar os recursos do Orçamento com as crescentes emendas, mas a dobradinha orçamentária com o STF nada mais é do que um atropelo para substituir o papel do Congresso.
A articulação desmonta a pregação lulista de harmonia entre os Poderes, rende mais um foco de atrito com o Congresso e confirma que falta racionalidade em Brasília.
O governo não precisava de autorização do STF para pedir ao Congresso a abertura do crédito extraordinário (fora do teto de gastos) e adotar as medidas necessárias ao combate dos incêndios.
O problema para Lula é que esses recursos, pela regra do arcabouço, mesmo fora do limite de gastos, têm que ser contabilizados na meta fiscal —a não ser que o Congresso aprove uma exceção da meta fiscal, como aconteceu com o dinheiro empregado após as enchentes no Rio Grande do Sul.
Autorizar essa exceção, sem o aval do Congresso, foi o que o ministro Flávio Dino fez com uma canetada.
O governo precisa tirar as amarras das regras porque não tem margem de manobra no Orçamento. Se a equipe econômica estivesse mirando o centro da banda de meta fiscal, poderia usar agora na emergência dos incêndios a margem de tolerância do arcabouço (de 0,25 ponto porcentual do PIB) para acomodar esse tipo de despesa emergencial.
Sem reserva no Orçamento, Lula teria de anunciar um congelamento maior de despesas nos próximos dias para cumprir a meta de déficit zero. A associação entre o STF e o Executivo dá uma salvaguarda ao governo para não precisar fazer um corte maior.
O que não está claro até agora é como o Ministério da Fazenda vai agir. Caberá ao governo definir o valor do crédito extraordinário e editar uma MP (medida provisória). Interlocutores da coluna afirmam que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem sido aconselhado a devolver a MP quando ela chegar ao Congresso. Apesar disso, será difícil os parlamentares agirem contra em meio à comoção do país em chamas.
Até a sexta-feira (13), integrantes da equipe do ministro Fernando Haddad mostravam desconhecimento sobre a intenção de Dino, embora despacho do ministro do STF já tivesse sinalizado a sua intenção de deixar os recursos fora das regras fiscais, a despeito de alerta da consultoria jurídica junto ao Ministério do Planejamento.
A curto prazo, a esdrúxula decisão de Dino pode até ser boa para o governo. Mas Lula está tirando mais um naco da credibilidade do arcabouço fiscal e indicando que ele não acredita na regra fiscal.
Com uma ferramenta poderosa como o crédito extraordinário, falar em urgência a cada esquina significa renunciar ao planejamento orçamentário.
Tudo é urgente para quem não faz planejamento. Quem não planeja, no fundo, fabrica a urgência. O governo está na cadeira há 20 meses. Descobriu agora que a Defesa Civil não funciona? Por que não colocou dinheiro no Orçamento?
Essa história faz lembrar o prefeito do interior que não fazia licitação para comprar medicamentos para o posto de saúde da cidade esperando o juiz da comarca dar a ordem e a prefeitura correr para fazer um contrato emergencial sem licitação.
Afinal, nesses casos, urgência é urgência.
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