Lançado no último dia 18 no Prime Video, o filme “Maníaco do Parque”, dirigido por Maurício Eça, ilustra os limites do discurso identitário de nosso tempo. Quando uma pauta se torna hegemônica a ponto de, à pretensão de iluminar, limitar o olhar, é preciso parar e refletir.
O filme trata dos horrendos feminicídios perpetrados pelo psicopata Francisco de Assis no Parque do Estado, em São Paulo, em 1998. O diretor Maurício Eça se destacou com dois filmes recentes sobre o parricídio comandado por Suzane von Richthofen. O que havia de caminhos roteirísticos interessantes nesses dois filmes ficou chapado na nova obra.
A intenção legítima do diretor e do roteirista L.G. Bayão foi evitar a glamourização do maníaco. Mas, em troca, ganhamos uma história que tenta empurrar goela abaixo a pauta feminista de forma rasa.
Embora o assassino seja nomeado no título, trata-se de uma pegadinha. A trama é centrada na busca da fictícia repórter Elena Pelegrino pelo serial killer. Temos aí o primeiro paradoxo: uma história anunciada como “baseada em fatos reais” tem como personagem central um personagem fictício. Ok, vá lá, a dramatização às vezes pede tal prática.
A repórter começa sua luta na Redação do jornal onde trabalha. Todos os machos tentam bloquear sua empreitada reveladora: homens da Redação, homens da polícia, homens em toda parte. Algumas brechas até aparecem no roteiro, como a questão de a repórter admirar seu falecido pai e buscar sobrepuja-lo, mas não é levada muito adiante. Uma pena.
Em contraponto, a interpretação de Silvero Pereira para Francisco tangencia o animalesco. Quando aparece sua mãe, a personagem é subutilizada. No final há uma lamentável cena de lacração feminista da repórter em cima do serial killer. Resume bem o filme, que longe de mostrar as reais vítimas, centrou-se numa personagem inventada que representa bem nossos bem-intencionados identitários lacradores pouco preocupados de fato com a realidade em volta.
Um trabalho que se importa com as vítimas foi a biografia do Maníaco do Parque escrita por Ulisses Campbell, jornalista que vem se destacando com livros sobre notórios assassinatos de repercussão nacional. Sempre cuidadoso, Campbell abre seu texto contando quem são as vítimas do Maníaco, que sempre buscava meninas de determinado tipo físico, cabisbaixas e tristes pela cidade. Muitas migrantes, oriundas da classe C empobrecida, desiludidas com o início da vida adulta, carentes. Campbell humaniza as vítimas, dá-lhes carne e osso e sentimentos. As mulheres em sua narrativa não são meras plataformas panfletárias.
Se a ideia do filme era centrar na repórter investigadora, poderiam ter se inspirado no filme “A Hora Mais Escura”, de Kathryn Bigelow, que conta a complexa história de uma investigadora da CIA na caçada a Bin Laden. Se a ideia fosse humanizar o assassino, sem apagar seus malefícios, era possível se basear no Coringa interpretado por Joaquin Phoenix, um blockbuster de grande qualidade.
A boa intenção das pautas identitárias não pode ser desculpa para se fazer cinema panfletário.
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