No novo capítulo de sua briga com Alexandre de Moraes, Elon Musk demitiu toda a equipe do escritório brasileiro da rede X e declara que a rede não obedecerá às ordens de bloqueio de contas e envio de informações de usuários. Por enquanto, ela segue funcionando, mas se continuar desobedecendo e não pagar as multas, logo terá que ser fechada.
Mesmo quando erra, o Supremo erra por último. Nenhuma empresa, brasileira ou estrangeira, pode se dar ao luxo de desobedecer decisão judicial, não importa o quão injusta ela pareça. Em alguns casos de flagrante imoralidade, é admirável o ato de quem se recusa a obedecer à lei injusta e aceita as consequências de seu ato, mesmo que com grande custo pessoal. Qual o custo pessoal para Musk? Sua fortuna não será afetada e será ainda mais adulado pelo público de direita que ele adotou como sua plateia preferencial. Seus funcionários pagarão o preço com seus empregos, e os usuários brasileiros com o possível corte do serviço.
Entre repetidas previsões (ou seria torcida?) de guerra civil na Europa e bravatas inócuas contra Maduro, ele tomou a causa da liberdade de expressão no Brasil como mais uma bandeira. Em abril, revelou algumas ordens sigilosas que o TSE teria feito em 2022. Na época, Musk fez sua acusação mais grave contra o TSE: a de que o X recebera ordem de não apenas suspender contas mas de também mentir publicamente acerca do real motivo dessa suspensão. Até hoje não mostrou prova da acusação.
Na nova rodada, além de divulgar as ordens sigilosas, recusa-se a obedecê-las. Ao fazê-lo, alimenta ainda mais o discurso a favor dos inquéritos do Supremo: o de que há pessoas nas redes que se julgam acima das leis brasileiras.
Showzinhos de Musk à parte, o questionamento do Supremo é importante. Temos já uma semana de revelações de conversas de Eduardo Tagliaferro —então perito da Assessoria de Enfrentamento à Desinformação do TSE— com auxiliares de Moraes no Supremo.
A decisão de bloquear uma conta vinha antes. O relatório justificando o bloqueio era então pedido, feito e entregue. Quando o próprio perito do TSE não via nos posts algo que justificasse medidas cautelares —como no caso da revista Oeste— era aconselhado a olhar de novo e “usar a criatividade”. Alexandre de Moraes, enquanto relator do inquérito das fake news, precisava de um relatório feito por uma assessoria especial do TSE? Não. Poderia ele próprio anexar os posts que julgasse relevantes no inquérito e proceder às ordens de bloqueio. Mas então por que o pedia? É tudo parte de um teatro para mascarar que, em tudo que se liga ao inquérito das fake news (que corre desde 2019), a única coisa que importa é a vontade de Alexandre de Moraes, falível como todo mortal?
A matéria publicada nesta segunda relata que Moraes pediu dados e bloqueio de contas que promoviam protestos contra ele no exterior. Qual a linha entre fomentar um golpe de Estado e o protesto legítimo? A crítica junto à opinião pública é uma primeira barreira contra o apagamento desse limite.
O Brasil viveu uma tentativa real de golpe. O indiciamento dos responsáveis pelos bloqueios rodoviários da PRF no dia do segundo turno ressalta esse ponto. Naquele dia, a ação decisiva do TSE —para desmobilizar os bloqueios e recusar a extensão do horário do pleito, como pedido pelo PT— salvou nossa democracia. Ao mesmo tempo, o inquérito das fake news e o das milícias digitais permanecem como fonte constante de decisões questionáveis, restrições à liberdade dadas com pouquíssimo embasamento, embaraço quanto à informalidade no proceder e alimentam uma suspeita crescente do Supremo. É preciso voltar à normalidade.
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