Nicolás Maduro declarou-se vencedor da eleição do domingo passado, mas resolveu que ninguém pode ver os votos. Ele garante que estão lá com ele, que estão sendo bem tratados, e que se o povo venezuelano e a comunidade internacional deixarem ele continuar sendo presidente, nenhum voto será ferido.
O governo Lula, assim como os governos de esquerda do Chile, da Colômbia e do México, pediu que Maduro mostrasse as atas de votação, como exigido pela oposição venezuelana. Até o momento do envio dessa coluna, Maduro ainda não havia conseguido falsificar atas suficientes para mostrar.
Se as atas de votação mostrassem a vitória de Maduro, ele já as teria mostrado.
No sistema brasileiro, criticado por Maduro e Bolsonaro, os boletins de urna estavam disponíveis na internet 24 horas depois de encerrada a votação.
Enquanto essa negociação diplomática ocorria, a executiva nacional do PT resolveu soltar uma nota reconhecendo a eleição de Maduro. No meio do texto, um apelo para que Maduro dialogue com a oposição. O “Maduro que dialoga” já é o principal desafiante do “bolsonarista moderado” na competição de melhor ser imaginário de 2024.
A nota do PT é coisa de burocrata de partido que não depende de voto e só fala para dentro da bolha. Foi aprovada pela executiva por displicência intelectual e falta de empatia com o povo venezuelano.
Na mesma hora, petistas que precisam se explicar para seus eleitores foram às redes sociais para discordar da executiva nacional. O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, o vice-líder Reginaldo Lopes, os senadores Paulo Paim e Fabiano Contarato, todos deixaram claro que não consideram a Venezuela uma democracia.
Esse tipo de caos diante de decisões da liderança não é comum no Partido dos Trabalhadores. O grupo dominante do PT foi constituído para evitar que grupos radicais com pouco voto controlassem a máquina do partido por serem mais bem organizados.
Não foi só errado, não foi só desastrado: demonstrou falta de visão da liderança petista sobre o futuro do partido. Se o PT se limitar a tentar puxar o governo Lula para a esquerda –o que, às vezes, é necessário– o que fará quando Lula se aposentar? Herdar apenas a metade esquerda de seu eleitorado? Muita gente que gosta de Lula acha o PT radical demais. O partido está contente com essa imagem?
Mesmo se estiver, é nessa trincheira que o PT quer marcar seu radicalismo? Não dava para ser com reforma agrária, legalização do aborto, descarbonização da economia, alguma coisa útil? Tem que ser bancando um ditador que entregou toda riqueza da Venezuela para o Exército, mentiu como Bolsonaro sobre as urnas brasileiras e queria invadir a Guiana passando por território brasileiro?
O que os venezuelanos queriam do chavismo era o que o PT deu aos brasileiros: políticas sociais, distribuição de renda, ação afirmativa, tudo dentro da democracia, tudo enquanto a alavanca “votar no outro cara se esse aqui fizer besteira” ainda está ali. Vinte e cinco anos depois, por que o PT empresta sua legitimidade a quem nega tudo isso aos venezuelanos?
Maduro é tudo que Bolsonaro mentiu que o PT seria: pobreza e autoritarismo. Por que lançar uma nota de apoio à caricatura que seu adversário faz de você?
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