Os brasileiros destinaram via Pix, de forma bruta, entre R$ 18 e 21 bilhões mensais às empresas de apostas online nos oito primeiros meses de 2024 —44% a mais que o esperado. O mero volume financeiro do setor aumenta a ganância de empresas e do governo. Emissoras como Globo e SBT exploram brechas legais para entrar no mercado, e o governo tem a perspectiva de arrecadar até R$ 12 bilhões por ano.
No olhar econômico, o volume financeiro do mercado não deveria ser o único fator relevante. Antes que o mercado seja grande demais para ser controlado, não se pode deixar de fora da conta como as bets agravam a desigualdade social. Dois dados recentes evidenciam isso. Primeiro, inadimplência: apostas online deixaram 1,3 milhão de brasileiros inadimplentes apenas no primeiro semestre de 2024. Segundo, Bolsa Família: beneficiários gastaram R$ 3 bilhões em bets somente em agosto.
Sem reforçar classismo e sem paternalismo estatal, deve-se lembrar o país em que estamos: o orçamento familiar das famílias mais pobres é gasto primordialmente em sua própria subsistência; gastos com casa e alimentação consomem mais da metade do orçamento dos mais pobres, segundo dados de 2018. Isso significa que, além do impacto em saúde —que também gera custos públicos—, adotar uma política liberal para apostas online moldadas para viciar causa danos mais gravosos aos mais pobres.
Outro olhar, o jurídico, nos leva a perguntar, de um lado, se a parcela do mercado hoje claramente legalizado —de apostas esportivas— embute brechas para atividades ilegais como lavagem de dinheiro sem que o Estado seja capaz de fiscalizá-las e, de outro, se a parcela do mercado de caça-níqueis online, como o “jogo do tigrinho”, deveria ser permitida com a liberalidade que o governo federal e o Congresso parecem dispostos a conceder sem certificar, primeiro, se os algoritmos dos jogos online são auditáveis e se são feitos para ludibriar.
Para as famílias destruídas pelo vicio do jogo, a dor não pode ser amenizada pela perspectiva de arrecadação do governo ou de lucro das empresas. Corre-se o risco de o tigrinho das bets crescer a ponto de comer o leão da Receita —e não o contrário.
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