Pagar R$ 36 milhões por uma banana é brincadeira sem graça – 25/11/2024 – Natalia Beauty

Eu não sei você, mas algo dentro de mim se remexe quando penso na ideia de uma banana presa com fita adesiva em uma parede sendo vendida por US$ 6,2 milhões, ou seja, mais de R$ 36 milhões. Uma obra de arte conceitual, dizem. Um “comentário sobre o que valorizamos”, explicam. E ainda assim, ao ouvir essa história, não consigo evitar refletir sobre o que realmente estamos valorizando.

Enquanto o artista Maurizio Cattelan transforma uma fruta comum em um ícone do mercado de arte, e o comprador, o investidor de criptomoedas Justin Sun, adquire por uma quantidade que supera a compreensão de muitos, milhares de pessoas ao redor do mundo lutam para ter o básico para a sobrevivência. Uma banana a menos na fruteira de alguém não faria falta. Mas é uma banana que custa R$ 36 milhões? Essa quantia poderia mudar o destino de milhares, talvez milhões.

Imagine, por um instante, como esse dinheiro poderia ser redirecionado. Quantas cestas básicas poderiam alimentar famílias que enfrentam fome crônica? Segundo estimativas, com R$ 36 milhões, seria possível adquirir mais de 1 milhão de cestas básicas, o suficiente para sustentar inúmeras comunidades por meses.

E hospitais? Esse valor poderia financiar a construção de pelo menos dois hospitais regionais de médio porte, fornecidos para atender emergências e oferecer tratamento para doenças que ainda matam tantas por falta de recursos. Escolas? Esse mesmo montante poderia viabilizar a construção de bolsas de unidades escolares modernas, com infraestrutura para acolher e formar crianças que, hoje, têm a educação como um sonho distante.

Não se trata de uma crítica rasa à arte ou à liberdade de expressão de artistas e colecionadores. A arte tem um poder transformador, capaz de questionar as normas vigentes estabelecida e abrir diálogos necessários. Mas aqui, o que se vê é um símbolo escancarado da desconexão entre duas realidades: a abundância de poucos e a miséria de muitos.

Quando um assunto tão efêmero quanto uma banana se torna o centro de um leilão milionário, somos obrigados a nos perguntar: o que estamos nos comunicando como sociedade? Para Cattelan, “The Comedian”, como batizou a obra, é uma crítica ao mercado de arte, ao consumo desenfreado, talvez até ao próprio comprador que desembolsou essa quantidade. Mas será que essa crítica se perde no caminho, especialmente quando a performance, o debate e o escândalo passam a ser mais valiosos que o impacto que gera com a mesma soma?

Há algo profundamente perturbador em perceber que, enquanto nos deparamos com manchetes sobre fome, crises de saúde e falta de acesso à educação, há quem veja sentido em gastar milhões em um conceito, um certificado, uma banana. É irônico, para dizer o mínimo. E, para muitos, ofensivo.

Não é a primeira vez que a arte conceitual choca o público. Vamos relembrar de Duchamp e seu mictório transformado em “Fonte”, ou mesmo do vaso sanitário de ouro maciço do próprio Cattelan, batizado de “América”. Mas talvez o que mais incomode nesse caso específico seja a distância assombrosa entre a possibilidade de agir no mundo real e a escolha de não o fazer. Entre dar pão aos que têm fome e encher os olhos dos que já têm tudo.

Eu não quero ser simplista. A arte não existe para resolver os problemas do mundo. Mas será que não deveria, pelo menos, instigar um pouco mais de responsabilidade em quem tem o privilégio de acessá-la e financiá-la? Talvez a questão não seja sobre a banana, mas sobre quem pode escolher ignorar tudo o que está ao redor dela. O preço de R$ 36 milhões não é apenas um valor financeiro —é também o custo de uma oportunidade perdida. E isso, para mim, é mais difícil de digerir do que qualquer comentário irônico ou conceito artístico.

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