Pense na sequência dos números inteiros positivos n=1, 2, 3, 4, 5,… ou, melhor ainda, na sequência dos seus inversos 1/n = 1/1, 1/2, 1/3, 1/4, 1/5,… Ensinamos nos cursos de cálculo, no primeiro ano da faculdade, que a soma 1/1+1/2+1/3+1/4+1/5+… de todos esses inversos é infinita. Em outras palavras, à medida que vamos anotando mais parcelas, o resultado cresce, ultrapassando qualquer valor que tentemos fixar.
A querida leitora deve estar pensando: qual é a novidade, Marcelo? Se você soma uma quantidade infinita de números, é natural que o resultado seja infinito, não? Bom, depende dos números. Por exemplo, um bom aluno de cálculo também sabe que a soma 1/12+1/22+1/32+1/42+1/52+… dos inversos dos quadrados dos inteiros é finita: não importa quantas parcelas somemos, o resultado sempre ficará abaixo de um certo valor.
Uma questão mais delicada é saber exatamente quanto vale essa soma. A questão foi formulada por Pietro Mengoli (1626–1686) em 1650, mas só foi resolvida em 1735 por Leonhard Euler (1707–1783), que assim adquiriu fama imediata aos 28 anos. Agora, o que Euler descobriu foi que essa soma 1/12+1/22+1/32+1/42+1/52+… é igual π2/6. Esse mesmo, o π (pi) do perímetro do círculo! Aposto que por essa você não esperava! O que essa conta (aritmética) tem a ver com o círculo (geometria)? Para mim, tais conexões surpreendentes entre diferentes áreas são um dos aspectos mais fascinantes da matemática.
Mas, geralmente, a soma 1/1s+1/2s+1/3s+1/4s+1/5s+… dos inversos das potências s-ésimas dos inteiros é finita para todo expoente s maior que 1. O valor dessa soma é representado pelo símbolo ς(s), que se lê ‘zeta de s’. Então, o que escrevi no parágrafo anterior significa que ς(2) é igual a π2/6.
Esta notação faz referência à famosa função ς (zeta) de Riemann (ou de Euler–Riemann), uma fórmula matemática introduzida por Euler na década de 1730 e aprofundada por Bernhard Riemann (1826–1866) em 1859. Simplificando um pouco as coisas, podemos dizer que a função ς é definida tomando para expoentes números s mais gerais do que os inteiros: Euler trabalhou com números reais e Riemann foi a ponto de considerar números complexos.
Eles intuíram que seria possível extrair da função ς informação muito detalhada sobre os números primos e, dessa forma, abriram uma área de pesquisa que prospera até hoje. Muito do que acreditamos saber sobre números primos depende da ‘hipótese de Riemann’, uma afirmação sobre a função ς que Riemann formulou em 1859 e constitui, certamente, o mais importante problema não resolvido da matemática dos nossos dias.
Mas voltemos aos expoentes inteiros. O que sabemos sobre o valor de ς(s) quando s é inteiro? Para começar, trata-se de números racionais (frações de inteiros) ou irracionais?
Euler encontrou os valores explícitos de ς(s) em termos de πs para todos os valores inteiros pares do expoente s. Por exemplo, ς (4) é igual a π4/90. Na época, ainda não era claro se o número π é racional (fração de inteiros) ou irracional: a irracionalidade só foi provada por Johann Lambert (1728–1777) em 1768. Mas com o que sabemos hoje sobre π segue das fórmulas de Euler que ς(s) é irracional para todo s inteiro par.
Já o caso ímpar revelou-se muito mais difícil… Comento na semana que vem.
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