Prefeito de São Paulo renega defesa da vacinação – 26/09/2024 – Sou Ciência

O que dizer do atual prefeito da maior cidade do país e candidato à reeleição quando afirma: “Tenho muita tranquilidade, depois de toda experiência, e tenho humildade para te falar que hoje sou contra a questão da obrigatoriedade [da vacina contra a Covid]”? E que, “se fosse hoje, não teria feito o passaporte da vacina”. Perguntamos: “tranquilidade e experiência” com 700 mil mortes, sendo 46 mil na cidade que ele governa? Por que negar instrumentos eficazes de contenção da propagação do vírus como o passaporte vacinal? Onde estaria a humanidade hoje sem a vacina obrigatória contra a covid-19?

As vacinas foram fundamentais na redução da mortalidade, no controle da transmissão do vírus e na mitigação do colapso dos sistemas de saúde em todo o mundo. Só os lunáticos acreditam que a covid-19 foi relativamente domada sem o uso intensivo das vacinas. Para quem não se lembra, os “passaportes da vacina” desempenharam um papel crucial no auge da pandemia, servindo como uma ferramenta de saúde pública que ajudou a conter a disseminação do vírus, estimular a vacinação e possibilitar a retomada gradual de atividades. Esses comprovantes de imunização permitiam a entrada em locais públicos, eventos e viagens, garantindo que apenas pessoas vacinadas ou com testes negativos para covid-19 tivessem acesso a determinados espaços.

Quando a ciência confirma unanimemente o acerto na corrida das vacinas na pandemia (e de todas as medidas complementares, dos usos das máscaras ao passaporte), o que leva o prefeito de São Paulo a assumir posições negacionistas em plena reeleição? O que será da maior metrópole do Hemisfério Sul numa próxima pandemia (que certamente virá)?

Há um termo curioso cunhado por jornalistas imaginativos, o chamado “bolsonarismo moderado”. Ou seja, haveria uma ala de políticos alinhados com Bolsonaro que não seria tão extremista quanto ele e seus aliados mais próximos. Um bolsonarismo “mais civilizado”, ou, como alguns ironizam, “que sabe usar talheres”. O atual governador de São Paulo tenta vender essa imagem, de que comunga com os valores extremistas, mas governa como suposto gestor competente, aquele que vende patrimônio público a marteladas (ou machadadas?).

Agora foi a vez de Ricardo Nunes, ligado anteriormente à “direita com talheres” de São Paulo, fazer o pacto faustiano com Bolsonaro. Pacto que inclui um combo: o candidato a vice-prefeito da Rota e que defende uma polícia racista; aparições com camisa da CBF nos atos bolsonaristas na avenida Paulista contra o STF e por anistia aos golpistas do 8/1; e, agora, ataques à vacinação e à ciência.

Será que ele quer se passar por um “bolsonarista moderado” ou por um moderado que faz uso eleitoral do bolsonarismo? Seria ele também um “negacionista moderado”, já que Bolsonaro era o “negacionista absoluto”?

No caso, parece defender ou atacar a vacinação apenas quando lhe interessa eleitoralmente. É importante reforçar o quanto esse tipo de discurso é nocivo e ignora o impacto da vacinação na preservação de vidas. Desde a vacinação contra a varíola, há mais de 200 anos, as vacinas têm sido uma das ferramentas que mais salvaram vidas na história da humanidade. Estudo recente, encomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), concluiu que esforços mundiais de imunização salvaram pelo menos 154 milhões de vidas, nos últimos 50 anos. É por isso que declarações como as do prefeito de São Paulo, além de oportunistas e eleitoreiras, são preocupantes, pois minam décadas de conquistas da ciência e da saúde pública.

No Brasil, a atuação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), impulsionou a vacinação no país e estimulou a criação de uma cultura de vacinação em nosso povo. A oferta gratuita de vacinas é um incentivo à essa cultura: “de graça, até injeção na testa”, diz a expressão popular. Imagina, então, receber uma injeção de graça — que não é na testa — e que te protege contra doenças que podem matar ou deixar sequelas irreversíveis? Além do incentivo à cultura de vacinação, os dados apontam o sucesso do PNI na eliminação de doenças, como a poliomielite e o sarampo, embora novos casos de sarampo tenham sido registrados recentemente, face à baixa cobertura vacinal.

Infelizmente, essa cultura da vacinação tem sofrido grande impacto com o crescimento de movimentos antivacina ligados à extrema direita. No Brasil, a queda na cobertura vacinal de todas as vacinas foi significativa a partir da ascensão da extrema direita que, ao longo da pandemia, encampou um movimento de descredibilização da ciência e das instituições de pesquisa, utilizando a vacinação como ferramenta política. Passada a pandemia, a pauta antivacinação continua a ser adotada pelo bolsonarismo.

Atualmente, as regras e as normas de nossa sociedade, que emergem do pacto social estabelecido entre os indivíduos, orientam a convivência em coletividade e impõem a ética e o respeito mútuo como fundamentos para a manutenção do bem comum no espaço social que compartilhamos. Para que as medidas de saúde pública sejam eficazes, é essencial que mantenhamos um pacto coletivo em nome de compromissos socialmente estabelecidos, como o direito à vida para todos/as. A vacinação só obteve bons resultados no controle de doenças infecciosas por causa da alta cobertura vacinal, quando houve adesão da maior parte da população.

É inaceitável a normalização de um discurso antivacina dentro de uma sociedade que é pautada pela ética e reconhece a importância das vacinas para a saúde pública. A OMS já tinha incluído em 2019 (um ano antes da pandemia) a hesitação vacinal entre as 10 ameaças à saúde pública global. Como já demonstraram diversos pesquisadores, o crescimento da extrema direita no mundo é concomitante à queda na adesão às vacinas.

Fato é que “negacionismo moderado” tal como o “bolsonarismo moderado” não existem. O extremismo de direita é um só: estimula a hesitação vacinal propagando todo tipo de desinformação sobre vacinas. O tal bolsonarismo/negacionismo moderado também desconsidera a importância de órgãos sanitários e instituições, incluindo a OMS, na promoção da saúde global.

A barbárie nunca é moderada, ela não se importa com a volta de doenças, que só foram controladas pela vacinação, como a poliomielite que acomete principalmente crianças. E como colocar um freio nos movimentos e políticos antivacina? Justiça, condenação e prisão.

Para os falsos médicos, também a cassação da carteira profissional, como ocorreu com Andrew Wakefield, que publicou um artigo fraudulento em 1998 associando a vacina tríplice viral ao autismo e teve sua licença médica cassada pelo Conselho de Medicina do Reino Unido.

Os crimes da pandemia de covid-19 precisam ser urgentemente julgados para que detenhamos o negacionismo e a barbárie. Justiça, memória, reparação em relação aos crimes da pandemia, reformulação de currículos na área da saúde, ampliação da alfabetização científica e fomento a carreiras na área, combate à desinformação em todos os níveis e meios de comunicação, ampliação da capacidade nacional de produção de vacinas, além de não (re)eleger negacionistas — não temos tempo a perder, todas as vidas importam!

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