Psicodélicos: Astro do basquete investe em ibogaína – 09/09/2024 – Virada Psicodélica

Se a leitora é fã de basquete, terá talvez ouvido falar de Stephane Lasme, reboteiro que brilhou em times universitários dos EUA e na NBA. Como não é o caso deste blogueiro, fiquei sabendo da figura peculiar por causa da ibogaína, um psicodélico que vem sendo usado com sucesso para tratar dependência química.

Lasme é o único gabonês que se tornou celebridade jogando cestobol. Seu país natal está no epicentro de um culto africano chamado Bwiti, que utiliza a raiz do arbusto Tabernanthe iboga em ritos de passagem para que o iniciante encontre seus antepassados, numa viagem de mais de 24 horas em atmosfera de sonho (a substância é mais precisamente classificada como onirogênica).

Ainda na puberdade, Lasme conheceu a planta como estimulante que jovens mais velhos usavam em pequenas quantidades para enfrentar longas jornadas na lavoura. Encontrava-os durante as férias de verão, quando era despachado pelos pais para a aldeia da família, como contou no podcast Altered States (em inglês).

Essa parte da biografia ficou para trás após mudar para os EUA. Com 16 tinha jogado como titular da seleção gabonesa, e foi tentar a sorte na pátria da modalidade. Lá, ganhou bolsa de estudo para estudar, formando-se em biologia na Universidade de Massachusetts. Do circuito universitário pulou para as quadras profissionais, atuando com sucesso por quatro anos na NBA.

Da América transferiu-se para times europeus, passando por Espanha, Grécia, Sérvia, Turquia e, em seuida, Rússia e Israel. A pressão do esporte de alto rendimento e episódios de racismo lhe afetaram a saúde mental, até que recebeu de um amigo certa quantidade de iboga, com a recomendação de usar pitadas na língua para falar com os ancestrais e resolver problemas durante o sono.

Deu-se bem com a substância. Ainda no Gabão, jamais tinha ouvido falar de que ela poderia ser usada para tratar drogadição, nem que alguém conhecido tivesse sofrido problemas cardíacos após ingeri-la (há relatos de arritmias fatais na literatura médica).

O relativo sucesso da ibogaína no tratamento de dependentes químicos teve início em 1962, quando o junkie norte-americano Howard Lotsof viajou com ela por 33 horas e, ao voltar, estava sem os sintomas devastadores da abstinência de heroína. Tornou-se um apóstolo da planta africana e falou dela a um médico brasileiro durante almoço na cantina da Universidade de Miami em 1994.

O gastroenterologista Bruno Rasmussen Chaves, de volta ao Brasil, só em 1997 retomou a história da ibogaína. Uma paciente lhe relatou a dependência de um filho com cocaína, e ele recomendou experimentar a droga africana –teve início ali o tratamento de milhares de pacientes em sua clínica de Ourinhos (SP), com autorizações especiais da Anvisa.

Nesses tratamentos, sempre com monitoramento cardíaco, usa-se ibogaína semissintética obtida de outro vegetal, Voacanga africana, mais fácil de obter que a T. iboga. Esta vinha sendo colhida ilegalmente nas florestas do Gabão e contrabandeada desde países vizinhos, ameaçando o arbusto de extinção, e o governo gabonês passou a regular a exportação.

O agora empresário Lasme investe em fomentar a pesquisa, aumentar a renda e dar visibilidade a seu país. Seu objetivo é montar um laboratório para extrair a ibogaína com boas práticas de manufatura (GMP) no Gabão e abrir clínicas para atender pacientes internacionais mesclando a experiência de uso seguro por mestres Bwiti com padrões da medicina ocidental.

As cerimônias terapêuticas não acontecerão na forma tradicional, porém, com vários dias de isolamento na floresta. “Nem todo mundo quer isso”, afirmou, bem-humorado, ao podcast Altered States.

Lasme planeja levar sua ibogaína ao mercado em seis meses. Seu objetivo é normalizar o tratamento, torná-lo aceitável para europeus e americanos, que teriam a opção de ir ao país e às tradições de origem em lugar de viajar ao México ou ao Brasil para tratar sua dependência.

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Psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem solução para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.

Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, procure meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”.

Não deixe de ver também as reportagens da série “A Ressurreição da Jurema”:


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