Psicodélicos, quem diria, estão entre as poucas coisas que compartilham apoio de republicanos e democratas engalfinhados na disputa eleitoral deste ano. Mesmo entre conservadores há quem defenda regulamentação para uso clínico de substâncias como MDMA (ecstasy) e psilocibina (de cogumelos “mágicos”).
Era de esperar que vozes do lado democrata estejam em favor de psicodélicos, pois o partido de Kamala Harris tem tradição com políticas mais liberais. Não por acaso, são governados por democratas estados que já facilitaram o uso desses compostos alteradores da consciência, como Oregon e Colorado, além de Massachusetts, que decide nesta terça-feira em referendo (Questão 4) se aprova a liberalização.
Mais surpreendente, para quem não acompanha o chamado renascimento psicodélico, seria o endosso entre republicanos, quase sempre defensores extremados da família tradicional e do armamento da população –valores à primeira vista incompatíveis com drogas associadas à contracultura e aos hippies.
Em 27 de outubro, durante comício no Madison Square Garden de Nova York, Donald Trump não se limitou a vulgaridades racistas e misóginas. O candidato republicano disse que, eleito, deixaria Robert F. Kennedy Jr. “fazer e acontecer” (go wild) nas áreas de saúde, alimentação e medicamentos, reportou Shayla Love na The Atlantic.
Kennedy, um advogado de meio ambiente e militante antivacina que até outubro de 2023 era do Partido Democrata, tentou uma candidatura independente, saiu da corrida e acabou apoiando Trump. Em sua conta no X (ex-Twitter), usa no cabeçalho a máxima “Make America Healthy Again” (faça a América saudável de novo), que também inscreve em bonés –verdes, porém.
O ex-pré-candidato já defendeu cancelar o que chamou de “supressões” federais de coisas como flúor na água, leite não pasteurizado e ivermectina. Também incluiu na lista os psicodélicos, informa Love.
No Congresso norte-americano, proposta de legislação em favor de pesquisa com psicodélicos para tratar veteranos de guerra já foi apresentada por Alexandria Ocasio-Cortez, deputada da esquerda democrata. O mesmo fez Dan Crenshaw, republicano do Texas e veterano da Marinha, que teve um tuíte pró-psicodélicos repostado por Elon Musk e obteve 17 milhões de visualizações com esse empurrão.
Organizações de ex-combatentes, como Heroic Hearts Project, estiveram entre os críticos mais ácidos da decisão da agência de fármacos FDA de rejeitar, em agosto, terapia psicodélica assistida por MDMA para transtorno de estresse pós-traumático. O Departamento de Assuntos de Veteranos (VA) tem se engajado no financiamento de estudos para avançar essa via de pesquisa clínica.
Musk tem sorteado milhões de dólares para apoiadores de Trump. Ele trata depressão com cetamina (ou ketamina, anestésico dissociativo incluído entre psicodélicos, em sentido amplo).
Entre investidores em startups de pesquisa psicodélica se encontram empresários conservadores como Peter Thiel, que apoia Trump. A família Mercer, que carreia fundos para negacionistas da crise climática, já doou recursos para a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês), que iniciou os testes clínicos com MDMA para estresse pós-traumático.
Hoje a questão está a anos-luz dos tempos da contracultura. Nos anos 1960-70, só contestadores da Guerra do Vietnã estavam a favor de psicodélicos e os usavam (embora a CIA mantivesse o projeto secreto MK-Ultra com LSD). Agora, com a perspectiva de torná-los panaceia para controlar danos da máquina de guerra norte-americana, essas drogas deixaram de ser um fiel na balança ideológica.
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