Quadratura do círculo, sinônimo de impossível – 17/12/2024 – Marcelo Viana

A questão remonta à Grécia clássica e é bem simples de formular: construir, usando somente régua e compasso, um quadrado cuja área seja igual à de um círculo dado. Mas séculos de tentativas fracassadas fizeram de “quadratura do círculo” sinônimo de problema impossível, antes mesmo de que o alemão Ferdinand von Lindemann (1852–1939) tivesse dado, em 1882, uma demonstração matemática de que tal construção não existe –o que liquidou a questão definitivamente.

Definitivamente? Como seria bom se fosse simples assim! Mas voltarei a esse ponto…

O dramaturgo grego Aristófanes (446–386 a.C.) já se referia à quadratura do círculo com indisfarçada ironia. Na comédia “As Aves”, estreada em 414 a.C., alguns cidadãos de Atenas, cansados da vida agitada da capital, decidem fundar uma cidade no ar e emigrar para ela. Pistetero, o protagonista, se exaspera com arquitetos e urbanistas que oferecem serviços não solicitados.

“Pelos céus, quem sois?”, indaga. “Sou Melon, conhecido em toda a Grécia”, responde o outro. “E isso o que é?”, pergunta Pistetero. “Uma régua para medir o ar. O contorno do ar é como um forno. Aplicando aqui a régua e ali o compasso… Compreendeis?”, explica Melon. “Nada!”, retorque Pistetero. Melon se esforça: “Com esta régua traço uma reta, inscrevo um quadrado no círculo e coloco a praça no centro. A ela afluem todas as ruas, do mesmo modo como do centro de uma estrela partem raios retos em todas as direções”. “Pelos deuses, este homem é um autêntico Tales!”, reage Pistetero, comparando sarcasticamente o pilantra a Tales de Mileto, o primeiro matemático grego.

O filósofo romano Anício Boécio (480–524) foi outro infectado pelo “morbus cyclometricus”, como foi chamado jocosamente o “vírus” da quadratura do círculo. Boécio nasceu em Roma poucos anos após a deposição do último imperador do Ocidente, Romulus Augustulus. O nome tinha pedigree: Rômulo foi o mítico fundador e primeiro rei de Roma, e Augusto foi o primeiro imperador. Mas em latim o sufixo “ulus” indica diminutivo: nada expressa com mais eloquência a que ponto a outrora poderosa Roma tinha decaído do que o fato do seu último governante ser chamado de Rômulo Augustinho.

Boécio viveu então sob o reinado de Teodorico, o Grande (474–526), o líder ostrogodo que conquistou e governou a península Itálica. Foi senador, cônsul e até chefe do governo. Escreveu trabalhos de filosofia, teologia e história e suas traduções dos clássicos gregos foram cruciais para preservar as ideias de Aristóteles para a posteridade.

Em “Liber circuli”, afirmou que tinha resolvido a quadratura do círculo “mas a demonstração é demasiado longa para ser reproduzida aqui na sua totalidade”. Expressão que Pierre de Fermat (1601–1665) tornaria famosa em circunstâncias parecidas, mais de um milênio depois. Só que no caso do francês o teorema era verdadeiro e acabou sendo provado, por Andrew Wiles (n. 1953), ao final do século 20. Já Boécio foi condenado à morte, torturado e executado por ordem de Teodorico. Mas parece que foi por suspeita de traição, não por ter enunciado teoremas falsos.

A lista dos “quadratores do círculo” fracassados também é demasiado longa para ser reproduzida aqui na sua totalidade, mas prometo que volto ao assunto na semana que vem.


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