Queria saber se antivaxxers também recusam tratar seu câncer – 10/10/2024 – Suzana Herculano-Houzel

Acrescente estes termos ao seu vocabulário, porque eles saíram dos laboratórios de pesquisa básica e chegaram à farmacopeia para ficar: anticorpos monoclonais, a nova linha de tratamento para câncer e várias doenças inflamatórias e autoimunes.

Peço perdão aos imunologistas pela simplificação do seu objeto de estudo e trabalho, mas aqui vai.

Anticorpos são proteínas que funcionam como um pirulito grudento, mas extremamente fresco, que só gruda em partes do corpo muito específicas. Por si sós, eles não fazem grandes coisas: não abrem rombos em células, não destroem tumores, não matam vírus.

Terapias com anticorpos apenas usam a capacidade do seu próprio corpo de destruir tumores e outras células alteradas, amplificando essa capacidade de maneira extremamente específica. É o cabinho do pirulito monoclonal que permite isso, ao ser prontamente agarrado pelas “mãos” das células do sistema imunitário do corpo.

Uma vez injetados no corpo, pirulitos-anticorpos se espalham pelo sangue sem se grudar a nada além do objeto de sua preferência. Coberta por esses pirulitos, uma célula cancerosa, por exemplo, se torna alvo fácil do sistema imunitário, que a destrói sem causar grandes danos às células saudáveis ao redor.

O contrário também é possível: em quem sofre de uma doença autoimune, na qual, por exemplo, células das articulações são indevidamente atacadas pelo próprio sistema imunitário, essas células podem ser protegidas por um escudo de pirulitos grudentos que não se prendem a mais nenhuma parte do corpo. O mesmo vale para doenças inflamatórias, em que os pirulitos grudentos monoclonais podem proteger tecidos ainda saudáveis de inflamação ou bloquear agentes inflamatórios, dependendo do tipo de pirulito.

É aqui, aliás, que entra a parte “monoclonal” na expressão: significa que todos os pirulitos usados em uma terapia são clones de apenas um (mono) tipo de anticorpo, o que garante que todos os pirulitos são rigorosamente iguais em sua “grudência” específica (sim, estou inventando palavra, mas esta não é perfeita?).

E aqui, também, entra a parte que me diverte: antivaxxer que se preza deveria recusar esses tratamentos, suprassumo da ciência básica-tornada-aplicada. Aliás, antivaxxers deveriam recusar especialmente injeções de anticorpos monoclonais diretamente em seu cérebro, onde eles são o tratamento mais promissor para os vários tipos de câncer do cérebro, muitos extremamente agressivos e todos difíceis de tratar justamente porque o cérebro é protegido do sangue por uma barreira.

A razão é simples. Uma vacina é nada mais que uma substância injetada que faz seu corpo produzir seus próprios pirulitos, digo, anticorpos. Quem recusa a injeção de uma vacina deveria, logicamente, recusar também a injeção de anticorpos monoclonais.

A “lógica” aqui vem de uma combinação de medo com uma crença ingênua na “resistência natural” do próprio corpo. É um argumento semelhante ao que justifica a preferência de alguns por “terapias naturais” –como se muitos venenos e drogas não fossem, eles também, substâncias perfeitamente naturais.

Em caso de doença, essa resistência natural do corpo por definição já falhou. Mas, em caso de doença, a boa notícia para todos aqueles que não recusam ajuda externa ao seu sistema imune é que a terapia com anticorpos monoclonais já é realizada no Brasil, cortesia do SUS, graças à parceria do Ministério da Saúde com o Instituto Butantan.


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