Ser ou não ser? O dilema envolve uma alternativa implacável: a morte ou, talvez pior, uma vida de dor. Diferentemente de Hamlet, os três principais candidatos à prefeitura paulistana encaram uma versão aditiva da encruzilhada clássica: ser e, simultaneamente, não ser. Ricardo Nunes precisa ser e não ser bolsonarista. Guilherme Boulos está condenado a ser e não ser da esquerda irredutível. Pablo Marçal deve solucionar a equação de ser e não ser o arauto do individualismo antissocial.
Nunes, o vereador cinzento elevado pelo destino à prefeitura, não é nenhum Eduardo Paes. O carioca, com gestão bem avaliada, move-se fora do campo de força da polarização nacional e, por representar a única opção não-bolsonarista viável, recebeu sem contrapartida o apoio de Lula. Já o paulistano, alcaide sofrível, depende do eleitorado bolsonarista para sonhar com o triunfo.
Contudo, o mesmo impulso externo que pode propiciar-lhe a travessia do primeiro turno contém rejeição proibitiva no segundo turno. Desse cenário nasceu a estratégia de, a um só tempo, representar Bolsonaro e recusar o extremismo ideológico de seu padrinho. A tentativa patética de fabricar um “bolsonarismo administrativo” –isto é, técnico e despido de radicalismos– choca-se contra a exigência de fidelidade integral de Bolsonaro. Daí resulta o espetáculo de um candidato engajado no esporte de iludir sua própria sombra –e que, mesmo assim, encontra-se perto de ser expelido no turno inicial.
Se Nunes foge de sua sombra, Boulos foge de sua alma. O lulista do PSOL recua das posições que o tornaram conhecido, evita desesperadamente os temas da política de drogas e da Venezuela e, num passeio às fronteiras do ridículo, posta e apaga um vídeo da execução do hino nacional em “linguagem neutra”. Ele sabe que seu padrinho pode conduzi-lo ao turno final, mas não dispõe de uma fórmula mágica para evitar seu afogamento no vórtice da rejeição.
Os torturantes malabarismos retóricos são, porém, insuficientes. O passado de Boulos não desaparecerá por encanto, pois seus adversários não cansam de restaurá-lo, avivando a memória dos eleitores. O candidato moderado não escapará do convívio com o militante político do MTST que, lá atrás, imaginou criar um partido-movimento situado à esquerda do PT. É por isso que suas esperanças estão depositadas na hipótese de um confronto polar com Marçal.
O prestidigitador determinado a fazer de otários os 12,3 milhões de paulistanos vive um dilema mais profundo. Na carreira de coach, aprendeu a arte de explorar pascácios pregando a cartilha do “empreendedorismo”. Sua religião laica baseia-se numa radical inversão ética: o abuso das regras vigentes e a ruptura do tecido de confiança que configura a sociedade.
A noção na qual se apoia é que só existem intercâmbios de soma zero: para um ganhar, o outro perde. Na condição de candidato à prefeitura precisa, porém, ser anti-coach, acenando para o bem comum, o que contraria seu treinamento. Sua única chance é apostar na covardia dos rivais.
Numa conversa semiprivada que vazou, Alexandre de Moraes disse que o plantel de candidatos à prefeitura é o pior desde a redemocratização. O juiz que acumula funções de delegado e promotor acertou na mosca.
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