Todo mundo chorou nas Olimpíadas – 11/08/2024 – Maurício Stycer

O Brasil terminou os Jogos Olímpicos de Paris com 20 medalhas, uma a menos do que em Tóquio, mas com apenas três de ouro, bem distante das sete conquistadas tanto na edição passada quanto no Rio, em 2016.

A rigor, o resultado do país (3 ouros, 7 pratas, 10 bronzes) foi só um pouco melhor do que o alcançado em Londres, em 2012 (3 ouros, 5 pratas, 9 bronzes), e em Pequim, em 2008 (3 ouros, 4 pratas, 10 bronzes). Um retrocesso, enfim.

Houve muitos sinais antes e durante os Jogos de que o Brasil não repetiria o bom desempenho de Tóquio, mas a cobertura jornalística, em especial a da televisão, não refletiu essa situação. Ao contrário, num tom de empolgação permanente, buscou manter acesa, a todo momento, a esperança do torcedor em “chances de medalha”.

É verdade que o clima de otimismo foi influenciado também pelo fato de que Paris-2024 representava uma retomada após a rebordosa de Tóquio, marcada pela pandemia do coronavírus, uso de máscaras e estádios vazios. Todo mundo se animou —patrocinadores, mídia e público.

Como registrei aqui no início, em coberturas deste tipo aflora um patriotismo natural, incontrolável e, às vezes, insuportável. Mas não é possível ignorar um outro aspecto, menos orgânico. Fazer o possível para manter o espectador sintonizado é parte do negócio.

O narrador Galvão Bueno, mestre neste ofício, resumiu certa vez: “O esporte é basicamente emoção. É o meu produto. Eu tento vendê-lo da melhor forma possível. Narrar é andar no fio da navalha. Usar tudo que você puder para passar emoção ao espectador sem faltar com a verdade dos fatos, a realidade”.

Luís Curro foi no alvo aqui na Folha ao observar: “Esporte é negócio, e elogiar a campanha do Brasil faz parte de um roteiro preestabelecido, com o objetivo de não afugentar patrocinadores para o próximo ciclo olímpico, o de Los Angeles-2028”.

A empolgação de narradores e comentaristas, eventualmente sem base na realidade, levou o espectador brasileiro a sofrer mais do que precisava. O excesso de expectativa seguido de decepção se tornou uma rotina dolorosa na experiência de assistir aos Jogos pela televisão.

Ao longo de duas semanas, todo mundo chorou. Atletas, parentes de atletas, técnicos e espectadores. Às vezes é bom, mas cansa. No caso dos narradores e comentaristas que se emocionaram no ar, tive a impressão de que involuntariamente acabaram roubando o protagonismo que deveria ser dos esportistas.

Ao avaliar em sua autobiografia a célebre narração da conquista do tetra, em 1994, Galvão reconheceu que “aquela coisa histérica, desafinada”, em companhia de Pelé e Arnaldo Cezar Coelho, “foi ridículo, mas foi pura emoção”. A gritaria de Gustavo Villani durante a decisão do vôlei de praia feminino chegou perto, e isso não é um elogio.

Everaldo Marques, que já havia brilhado em Tóquio, narrando skate e surfe, voltou a mostrar, em Paris, que é possível equilibrar emoção com bom senso. As narradoras Natália Lara e Renata Silveira confirmaram, se é que ainda fosse necessário, que futebol não é um território exclusivo dos homens. Milton Leite se despediu em alto nível.

A CazéTV, como já havia ocorrido na Copa do Mundo do Qatar, foi uma alternativa à Globo no streaming. Há muitos patrocinadores interessados em ocupar esse espaço e existe um público qualificado disposto a usufruir de transmissões esportivas em tom mais descontraído.

É difícil, ainda, falar que representa uma concorrência. O canal, por exemplo, teve picos de 500 mil visualizações na cerimônia de abertura contra 36,4 milhões de pessoas na Globo, na TV aberta. Monopólio em transmissões esportivas é ruim, sempre, e a CazéTV representou uma pequena fissura nesta situação do mercado brasileiro.


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