Por décadas, o Brasil tem enfrentado os chamados “déficits gêmeos”: o fiscal, relacionado às contas públicas, e o externo, vinculado às transações internacionais. Neste ano, estamos nos aproximando de níveis historicamente alarmantes desses indicadores. De acordo com a pesquisa Focus, espera-se que, juntos, eles alcancem cerca de 10% do PIB, uma marca superada apenas em 2015, com 12%, e em 2020, com 15%.
Esses déficits estão interligados e têm como elemento comum a baixa poupança doméstica, atualmente em torno de 15% do PIB. Quando o governo acumula déficits fiscais, reduz sua própria poupança. Nesse contexto, a poupança privada é desviada para cobrir os gastos governamentais, em vez de impulsionar projetos produtivos, diminuindo os recursos disponíveis para financiar investimentos no país. Com a insuficiência da poupança interna, o país recorre ao financiamento externo, o que, pelas regras contábeis, gera um déficit em transações correntes.
Esses desequilíbrios afetam diretamente a taxa de câmbio e os juros. O aumento do déficit fiscal leva os mercados a exigir taxas de juros mais altas para financiar o governo. Juros elevados também são necessários para atrair capital estrangeiro e suprir a escassez de poupança interna. Simultaneamente, o déficit externo pressiona o câmbio, desvalorizando a moeda, o que alimenta expectativas inflacionárias. Essas pressões inflacionárias exigem novos aumentos nos juros, piorando as contas fiscais e gerando um ciclo de retroalimentação entre câmbio, inflação e taxas de juros.
A solução para esses problemas passa por um ajuste fiscal efetivo. Não bastam cortes pontuais ou contingenciamentos limitados. É necessário restabelecer a viabilidade da dívida pública e equilibrar a relação entre poupança e demanda por investimentos.
A atual crise fiscal não é resultado de um descompasso entre receitas e despesas momentâneas. O problema aqui é estrutural. Desde o início dos anos 2000, com exceção do período de vigência do teto de gastos até a pandemia, há uma tendência de a despesa pública crescer a uma taxa superior à da renda nacional. Apenas com as chamadas “transferências de renda” —Previdência, BPC, Bolsa Família, abono salarial e seguro-desemprego—, os gastos passaram de 8,3% do PIB, em 2019, para cerca de 10%, em 2024.
A trajetória dos gastos nos levou a sucessivos aumentos na carga tributária, que hoje está em um patamar superior ao da maioria dos países emergentes. Ainda assim, não conseguimos gerar superávits primários consistentes desde 2013. Agora, nosso déficit estrutural ajustado pelo ciclo econômico é de aproximadamente 1,5% do PIB. Para estabilizar a dívida pública no nível atual, seria necessário alcançar um superávit primário próximo de 3% do PIB —algo que dificilmente pode ser obtido apenas por meio de aumento da arrecadação.
O ajuste fiscal é inevitável. Ele pode ser realizado de forma planejada e transparente, com decisões difíceis sobre quais benefícios devem ser mantidos e quais precisam ser revistos, ou ser imposto pela deterioração econômica e social causada pela inação. Deixar o mercado exigir o ajuste por meio do agravamento da crise prejudica a confiança dos investidores e traz custos elevados. A instabilidade prolongada pode condenar o país a uma trajetória de baixo crescimento (ou mesmo recessão profunda) e inflação bem elevada.
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