Xandão, a Folha e o “rito” – 17/08/2024 – Alexandra Moraes – Ombudsman

“Moraes usou TSE fora do rito para investigar bolsonaristas no Supremo, revelam mensagens” era o que manchetava a Folha no último dia 13. O título vinha com grande polêmica.

O leitor Rogério Carvalho lançou um desafio. “Minha permanência como leitor há 35 anos da ‘Falha’ está dependendo da posição do [sic] ombudsman quanto a essa ‘thread’ do Xandão. Vai passar paninho ou vai defender o jornalismo verdadeiro?” Vamos lá.

A Folha diz ter tido “acesso a mais de 6 gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp” entre agosto de 2022 e maio de 2023 por auxiliares do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que àquela altura acumulava a presidência do Tribunal Superior Eleitoral com a relatoria do inquérito das fake news no STF.

De novidade mesmo, o que há são diálogos, trechos como “quando ele cisma, é uma tragédia”, “xiiii não vai sobrar internet mais” e a instrução “use a sua criatividade… rsrsrs”. A Folha já vinha reportando que o ministro havia municiado inquéritos do STF com relatórios produzidos no TSE.

Agora, colocou no ar os diálogos com as risadas e os emojis que os acompanhavam. Também definiu a atuação de Moraes como “fora do rito”. Especialistas apontaram que não haveria um rito claro a ser seguido. Já segundo Moraes, foi “tudo absolutamente documentado e oficializado, com acompanhamento da PGR e as diligências necessárias”.

O problema do rito apareceu em artigos de opinião na Folha e em outros veículos. Em seu “Moraes não é Moro”, o colunista Thiago Amparo, advogado e professor, afirmava que a “Folha acerta ao expor as mensagens, mas errará se não explicar que são situações distintas”.

Na revista piauí, o também advogado e professor Rafael Mafei defendia que “usar a estrutura do TSE para dar um falso lustro de provocação externa na investigação do Supremo é uma manobra questionável eticamente, mas não há indícios de que Moraes tenha cometido irregularidade”. Mafei prefere destacar a falha na configuração institucional.

O professor de direito eleitoral Fernando Neisser afirmou no UOL que não havia “nada de ilegal, informal ou, como sugere a matéria, imoral” no uso do TSE.

O advogado e escritor Luís Francisco Carvalho Filho, colunista da Folha, lembrou que “basta trocar os personagens da conversação para que o absurdo se revele insofismável” e que, “nas próximas eleições presidenciais, o presidente do TSE será o bolsonarista Kassio Nunes”.

Como ficamos? Do ponto de vista jornalístico, e não tendo cometido crime para obter o material, parece claro que o que a Folha tinha em mãos era de interesse público. No mínimo mostrava a simbiose entre os tribunais e o problema do desenho institucional, ainda que a questão do rito carecesse de maior explicação.

Nas notícias seguintes, o jornal ainda encontrou pontos mais delicados, com um policial e uma investigação sobre um prestador de serviços do ministro. Esgotaram-se os 6 gigabytes? Ainda não sabemos.

E, no caso presente, há mais elementos que contribuem para o barulho. Foi sob a batuta de Glenn Greenwald, colunista da Folha que agora assina as reportagens com Fábio Serapião, que o site The Intercept Brasil revelou o vazamento de articulações entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol que ficaria conhecido como Vaza Jato, em 2019.

Greenwald, porém, foi “cancelado” pela esquerda por ter colocado em questão a conduta de Moraes na investigação das fake news e do golpismo verde-amarelo.

Os protestos de leitores como Rogério (espero que ainda esteja aqui) não tardaram. A Folha estaria em “franca campanha para anistiar Bolsonaro e seus golpistas”, escreveu Silvia Marcondes Bolivar à ombudsman. “Que vergonha, Folha. Que nojo.”

“Vou cancelar minha assinatura da Folha. Jornalismo sensacionalista, desonesto, alimentando os bolsonaristas com suas paranoias e fake news”, disse Elizabeth Freire.

Entre as manifestações favoráveis, José Ronaldo Curi mandou “alvíssaras à Folha por demonstrar que o rei está nu”.

Instada a responder aos leitores, a Secretaria de Redação do jornal afirma: “Cancelamentos nos frustram por não termos difundido com a eficácia necessária a mensagem do projeto editorial da Folha, que é a de praticar um jornalismo crítico –e especialmente crítico em relação a quem detém poder–, apartidário, objetivo e atento ao exercício do contraditório. Nessa trajetória, a exposição do leitor a notícias que lhe causem desconforto deveria ser encarada com naturalidade, até porque o jornal aplica a mesma régua há décadas a quaisquer que sejam os ocupantes circunstanciais dos postos de responsabilidade pública”, escreve o secretário Vinicius Mota.

Sobre o “fora do rito”, a SR afirma: “O rito da Justiça não pode ser o da informalidade, daí o jornal ter alçado o termo aos seus enunciados”.

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Na semana passada, havia erro na informação de que o site da Folha só manchetara a queda do avião da Voepass no final da tarde. A informação foi destacada às 14h38. O erro foi devidamente corrigido, mas fica o pedido de desculpas ao leitor e aos bravos colegas.


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