Xou da Xuxa em Kuala Lumpur – 12/10/2024 – Antonio Prata

Turismo. Você pode pedir dicas a quem já foi. Pode comprar um guia Lonely Planet e seguir à risca “48 horas em Amsterdã” ou “Melhores tacos na Cidade do México”. Pode subir num ônibus de dois andares em Londres e escutar o moço ao microfone exibindo marcos históricos e piadas ruins. Ou pode fazer como o Souzinha e o Arthur.

O Souzinha e o Arthur –vamos chamá-los assim, pra não comprometer ninguém– são um casal fino, muito fino e duro, muito duro. Compram as passagens com milhas, ficam em hotéis baratos, contam as moedas pra pagar o menu do dia. Meses antes de embarcar, contudo, botam em ação um plano grandioso.

Descobrem quais são as imobiliárias mais chiques do destino. Pedem pra Janice, a melhor amiga, ligar lá se dizendo secretária do “mr. Sousa” (ou “Monsieur Sousa”, ou “don Souza” e assim por diante, dependendo do país). Janice, que dá aula na Cultura Inglesa, mete um sotacão “The Crown” e agenda meia dúzia de visitas aos imóveis mais caros da cidade. “Mr. Souza”, ela diz, quer um lar totalmente mobiliado, pois explorando petróleo, investindo em start-ups ou “trading commodities”, não tem tempo para assuntos pedestres feito máquinas de lavar, mesinhas de centro ou cabides.

Uma vez em seu destino, Souzinha e Arthur se vestem na estica e passam as tardes passeando pelos lares de gigantes do mercado financeiro, craques do futebol, xeiques, supermodelos. Ficam brincando de morar lá. “Posso mudar a televisão pra cá e mandar a ‘chaise longue’ pra baixo da janela?”, pergunta o Arthur. “Claro!”, responde a corretora, enchendo o copo dele de champanhe. “Tô pensando em derrubar essa parede”, diz o Souzinha, que mora numa quitinete, sonhando com uma sala mais ampla no quinquagésimo andar de uma cobertura de 700 metros quadrados no Uper East Side de Nova York.

Lembrei do casal de amigos anteontem, enquanto descobria, por acaso, outra originalíssima forma de turismo. Estou de férias com minha mãe e minha irmã, em Milão. Nos primeiros três dias conhecemos, a pé, a catedral, o teatro, os museus. Lonely Planet, dicas, blablabla. Então resolvemos alugar um carro pra ir a uma exposição um pouquinho mais longe. Chegando lá, começamos a procurar onde parar.

Pois. Conhecemos mais de Milão em duas horas (ou foram 20? Ou 200?) tentando estacionar do que nos três dias visitando, a pé, seus principais pontos turísticos.

Passamos por mansões e casebres, ruínas romanas e arranha-céus, becos sem saída e autoestradas –duas ou três, pelo menos, na contramão. (Numa delas, acho, morri num acidente terrível, mas como meu visto de turista não contemplava tal situação, voltei à vida). Vimos parques, cemitérios, passeatas, performances, procissões, pirâmides humanas e suspeito que tenhamos, em algum momento, passado pela Suíça, embora minha irmã jure que estou viajando –era claramente a Eslovênia.

A experiência foi, como se diz por aí, disruptiva e me deixou pensando em outras maneiras de desbravar cidades. Por exemplo. Oferecer o serviço de passeador de cachorro a um local e deixar o bicho ditar o trajeto. Soltar um balão de hélio com localizador e refazer o caminho via Google Maps. Dar-se o objetivo de encontrar em Reykjavik ou, sei lá, Kuala Lumpur, o LP Xegundo Xou da Xuxa, em vinil, de 1987.

Bem, talvez a última ideia implique não em turismo, mas em viver para sempre em Reykjavik ou Kuala Lumpur. E se for? Quem não está aberto à aventura não deveria nem sair de casa. Chupa, Lonely Planet!


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