A economia americana continua surpreendendo pela sua resiliência, apesar das incertezas não triviais associadas a uma eleição presidencial que até poucas semanas atrás parecia bastante apertada. Seu melhor desempenho entre todos os países desenvolvidos é resultado de uma variedade de fatores: diferenças nas políticas monetária e fiscal adotadas pós-pandemia, presença de mercados de trabalho e de capitais mais flexíveis, maior desenvolvimento tecnológico, independência energética, entre outros. Em que medida o resultado das eleições em novembro pode mudar esse cenário e afetar o mundo?
Há vários pontos de risco no radar dos investidores. Em primeiro lugar, preocupam os déficits orçamentários nos Estados Unidos projetados em torno de 6% do PIB nos próximos anos, sem nenhum dos candidatos presidenciais focado na sustentabilidade fiscal –muito pelo contrário. O CBO (Congressional Budget Office) calcula que a dívida pública atingirá 122% do PIB em 2034 –um valor maior do que em qualquer momento da história do país– se nenhuma reforma for realizada do lado dos gastos e considerando que os impostos que Trump reduziu em 2017, equivalentes a aproximadamente 1,3% do PIB, voltem a subir em 2025.
No entanto, a plataforma eleitoral do ex-presidente Trump é justamente manter tais impostos no patamar atual, o que pode ser um cenário bem provável se tanto a Câmara quanto o Senado tiverem maioria Republicana pós-eleições. No caso de Biden, as promessas são de que o aumento parcial dos impostos, principalmente para indivíduos de renda mais alta, servirá para financiar a continuidade do elevado nível de subsídios e gastos. Como consequência da leniência com a sustentabilidade da dívida, as taxas de juros, principalmente as longas que impactam mais o investimento, estão bem acima do nível pré-pandemia. Ainda que os Estados Unidos sejam vistos como um “porto seguro”, os investidores já demandam um prêmio maior para carregar sua dívida pública, prêmio este que poderá aumentar significativamente dependendo da política fiscal a ser adotada.
Outra fonte de preocupação é o efeito que uma alta substancial de tarifas pode causar na inflação e, consequentemente, na atuação da política monetária. Ainda que Biden não tenha revogado tarifas impostas na administração anterior de Trump e tenha adicionado várias outras, Trump propõe uma política mais radical se eleito: tarifa de 10% sobre todas as importações e de 60% sobre produtos chineses. Mesmo se um percentual bem menor for colocado em prática, poderá desencadear tarifas retaliatórias em todo o mundo e um repique da inflação global. O risco de o Fed ter que voltar a apertar a política monetária não será nada desprezível, impactando todos os demais bancos centrais.
Uma consequência desse aumento de tarifas menos compreendida, mas não menos importante, é o efeito sobre a taxa de câmbio do dólar. Modelos macroeconômicos preveem que países que adotam tarifas vivenciam um fortalecimento da sua moeda. Isso ocorre porque, com menos demanda por importações, a necessidade de comprar moeda estrangeira cai. Um dólar mais forte trará uma pressão ainda maior para a inflação dos países mais vulneráveis, como vários emergentes.
No que tange à imigração, tema central da campanha, há uma diferença enorme nas duas plataformas. Nos últimos dois anos, Biden implementou uma série de medidas que permitiram altos níveis de imigração. Tal política trouxe vantagens econômicas, como uma força de trabalho maior e aumento dos gastos dos consumidores e do governo, impulsionando o PIB. Trump promete uma reversão relevante dessa política, principalmente no que tange aos trabalhadores menos qualificados, o que muito provavelmente irá adicionar pressão à inflação de serviços, a qual já vem rodando em patamar bem maior em comparação ao período pré-pandêmico.
Para o Brasil, as políticas a serem adotadas pelo próximo governo americano trarão consequências importantes, independentemente dos seus impactos no ambiente político doméstico.
Por si só, o aumento das incertezas já traz maior volatilidade aos mercados e deixa os investidores mais avessos a riscos em países de fundamentos frágeis. Se o cenário de dólar forte, maior inflação global e juros mais altos por mais tempo se consolidar, estaremos vulneráveis a um menor apetite para ativos domésticos. Nosso desafio de trazer maior confiança no arcabouço fiscal e monetário deve levar em conta a urgência que o cenário internacional impõe.
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